Indústria de alimentos: gestão dos riscos ocupacionais em pratos limpos

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Devido a variedade de atividades que compõem a indústria de alimentos, fica impossível falar em uma linha de riscos ocupacionais, visto que cada tipo de manufatura tem suas características e processos específicos e, com eles, uma lista de situações que podem causar acidentes ou adoecimentos para os empregados.

O setor é composto por empresas que fazem desde o beneficiamento de produtos de origem vegetal e animal para o preparo de refeições ou consumo direto. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), 58% de tudo o que é produzido no campo é processado no País. Além de carnes e pescados, há os laticínios, cereais, chás e cafés, derivados de trigo, óleos e gorduras, derivados de frutas e vegetais, desidratados e supercongelados, açucares, chocolates, cacau e balas e, ainda, snacks, sorvetes, temperos e outros em mais de 36 mil empresas de grande, médio e pequeno portes, além das fábricas artesanais e da agricultura familiar.

De acordo com Walter Pedreira, doutor em Química Analítica pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundacentro, a indústria alimentícia opera por processos que combinam atividades estritamente manuais com outras automatizadas. “Por apresentar uma grande variedade de tamanho/atividade/diversidade de produtos dispostos no mercado ao alcance dos consumidores, os riscos ocupacionais são proporcionais a essa envergadura”, ressalta.

Em termos práticos, há diversos grupos de risco que “convivem” entre si. Confira:

Risco químico – inclui as infecções na pele por uso de produtos químicos na preparação e higienização de insumos, exposição aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos provenientes dos exaustores de restaurantes, inalação acidental de acrilamida dispersa no calor do óleo da fritura de batatas, inalação de partículas carcinogênicas provenientes do carvão das churrasqueiras, bem como o contato das mãos com alérgenos presentes em alimentos que podem causar eczemas e inalação e/ou ingestão de resíduos de farinha de trigo com potencial alérgeno durante a produção de itens de panificação e biscoitaria.

Riscos físicos – as linhas de produção do setor incluem ruídos, vibrações, exposição ao calor ou frio excessivos das câmaras frigoríficas ou equipamentos usados para cocção, bem como a conjugação de temperaturas quentes e úmidas simultaneamente, que podem causar danos irreversíveis devido à desidratação.

Riscos biológicos – contam com exposição a bactérias, fungos e parasitas. No caso da atividade de frigoríficos, a contaminação pela Staphylococcus aereus, presente na carne crua, é um problema que não pode ser esquecido. Na lista de riscos ergonômicos estão os esforços físicos intenso, como o levantamento e transporte manual de peso, que leva a distúrbios muscoesqueléticos, dores nas costas e nos ombros.

O ambiente de produção também é repleto de riscos, como iluminação inadequada, máquinas e equipamentos sem proteção, ferramentas improvisadas e piso escorregadio. O manuseio de objetos cortantes é outra questão que merece atenção, visto que pode acarretar em cortes nos membros superiores.

 

Peculiaridades

 

Em setores específicos, como é o caso dos frigoríficos, o trabalho na linha de produção expõe a contato diário com agentes insalubres como frio, ruído, umidade excessiva, calor, produtos químicos, sangue, vísceras, bactérias etc. Nas etapas do preparo do produto, o abate dos animais, a separação dos miúdos, o corte das peças e a empacotadeira são momentos que demandam atenção por parte do trabalhador. Um dos ramos da atividade também trabalha com o fatiamento de frios, por exemplo, que chegam nas mãos do consumidor previamente cortados.

A indústria de laticínios, por sua vez, ainda que tenha, majoritariamente, processos mecanizados, depende da exposição dos trabalhadores em fases distintas como recepção do leite, tanque de mistura, batedeira de manteiga, ricoteira, desanatadeira, máquina de fatiação e seladora/rotuladora. Dessa forma, ressalta Pedreira, além da oscilação das temperaturas, que se alternam entre calor e frio excessivos, as atividades manuais favorecem a predominância de posturas inadequadas. Há, ainda, a relação dos trabalhadores com a operação de máquinas e equipamentos, um capítulo à parte na relação entre homem e trabalho.

Na cozinha industrial a situação não é diferente. “Os agravos à saúde dos trabalhadores são os maiores responsáveis pela incapacidade no exercício das atividades, como esforços repetitivos, má postura, excesso de levantamento ou transporte de peso, entre outras que, ao longo do tempo, podem gerar doenças”, explica o pesquisador da Fundacentro.

Na lista de fatores comuns nessa área, estão choques elétricos, queimaduras, quedas, cortes e perfurações. Mas há, também, casos de Lesão por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), que são causados pela repetição excessiva de movimentos ou postura inadequada, que resultam em dores crônicas que tendem a piorar com o tempo de exposição.

Há que se considerar, ainda, as doenças ocupacionais psicossociais que são fruto da pressão excessiva e de aspectos da organização do trabalho e que podem gerar problemas emocionais, como depressão, estresse, entre outras. “Os maiores causadores são o ritmo agressivo de trabalho, carga horária excessiva, isolamento, dificuldades ou desentendimentos no ambiente laboral”, frisa.

Segundo Pedreira, para eliminar ou atenuar esses fatores é que existem as Medidas de Controle de Riscos, que podem ser aplicadas de três formas distintas: na origem do risco, no ambiente de trabalho e no próprio trabalhador. Na primeira, o objetivo é eliminar por completo a condição perigosa e, na segunda, quando não é possível banir o agente, deve-se substituí-lo por outro menos agressivo ou que gere uma redução da energia do processo.

 

Ergonomia

 

Na análise do assessor técnico com participação na Diretoria de Título da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), Carlos Campos, entre tantos fatores de risco, há dois que são mais graves. “O modo de adoecer das pessoas tem muito a ver com suas características biológicas, psicológicas e sociais, como também as características do ambiente construído de trabalho, onde a pessoa está inserida”, defende.

Nesse sentido, afirma, as doenças mais prevalentes na indústria de alimentos estão relacionadas ao sistema osteomuscular, principalmente em membros superiores e coluna vertebral, em função da exposição do trabalhador, sem o devido diagnóstico, gerenciamento, exclusão e/ou mitigação de fatores ergonômicos em processos de trabalho”, aponta. Tal cenário provoca uma carga física de trabalho com esforço muscular estático ou dinâmico, com manutenção prolongada de posturas inadequadas, ritmo intenso e cadência desproporcional à capacidade dos trabalhadores, movimentos repetitivos de um mesmo grupo muscular, ausência de pausas durante a jornada, rodízio de tarefas/atividades, entre outros procedimentos possíveis.

O segundo está relacionado a fatores psicossociais, que dizem respeito a aspectos da concepção, projeto e gestão ocupacionais e seus contextos sociais e organizacionais que incluem demandas da tarefa, controle sobre o trabalho, autonomia temporal, conteúdo do trabalho, supervisão, definição do papel do colaborador e relações interpessoais.

Dependendo da correlação entre estes aspectos, têm potencial para causar danos psicológicos ou físicos aos trabalhadores, reações de estresse que podem ser emocionais, de natureza cognitiva, comportamental e/ou fisiológica. Quando as reações de estresse persistem por um longo período de tempo, elas podem evoluir para resultados de saúde mais permanentes e menos reversíveis, como fadiga crônica, esgotamento/Burnout, morbidades musculoesqueléticas, doenças cardiovasculares, entre outras.

 

Ambientes insalubres

 

Segundo Campos, as Normas Regulamentadoras do antigo Ministério do Trabalho e atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho especificam tais condições laborais, apesar que existem, ainda, muitas controvérsias sobre a caracterização de insalubridade em indústrias frigoríficas em relação à exposição a riscos biológicos e frio.

Um exemplo é o Anexo 09 da NR-15, que especifica como insalubre o trabalho em câmaras frigoríficas e locais similares. Exatamente neste sentido surge a contradição, já que, por exemplo, um ambiente de desossa de carne, com temperatura acima de 4°C, não pode ser considerado como similar a uma câmara frigorífica, que tem um ambiente bem abaixo de 0°C.

É comum ver, ainda, tratamento dispensado ao agente frio como se ele se comportasse de forma única, independente de sua intensidade. “Esse raciocínio não se sustenta, de acordo com o estado da arte sobre o assunto”, enfatiza o assessor técnico. Isso porque um trabalhador não necessita da mesma proteção quando está exposto a 14°C, ou 0° C ou a temperaturas negativas como -25°C ou -30˚ C.

“Diante dessa lacuna, o parâmetro técnico disponível é o da American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), entidade científica na qual se baseiam a quase totalidade das normas pertinentes à segurança do trabalho no Brasil, quando da não existência de dispositivos legais sobre o assunto, que é o caso do frio”, explica Campos.

Conforme a ACGHI, esse parâmetro é de ambientes insalubres apenas com temperaturas inferiores a 4°C. Esse é o único parâmetro concreto técnico que existe para se caracterizar um ambiente como sendo insalubre ou não devido ao agente frio.

 

EPI e EPC

 

Com experiência de 23 anos na área de segurança em empresas da indústria de alimentos e de outros segmentos, a engenheira de Segurança do Trabalho Luciana Karla dos Santos Caldas avalia que o diagnóstico/inventário de riscos do ambiente de trabalho só se efetiva com o engajamento dos trabalhadores para o uso consciente e responsável dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Coletiva (EPC).

Rotineiramente, são recomendados óculos, protetores auriculares, sapato/bota de segurança. Mas ela lembra que cada atividade tem suas especificidades, o que exige artigos como cinto e talabarte, luvas de diversos tipos, macacão ou avental para sanitizações, máscaras e protetores faciais. A lista também inclui balaclava de algodão, capacetes, capuzes, camisa de moletom, mangotes, respiradores descartáveis ou reutilizáveis e meias e vestimentas térmicas, tudo para o aumento da proteção do trabalhador durante a realização das atividades diárias.

Na lista de EPCs estão fitas/correntes e cones para sinalização, guarda-corpo, corrimão, fitas ou pinturas antiderrapantes, biombos e mantas não combustíveis, todos eles indicados, sobretudo, para as áreas mais críticas. “Os ambientes mais insalubres estão na área de produção devido ao calor, frio e ruído, como, por exemplo, setor de fornos, câmaras resfriadas ou congeladas e, em menor grau, nos locais onde há ruídos”, avalia.

Mas o uso de equipamentos de proteção também visa auxiliar o trabalhador em atividades de risco, como operação com máquinas em movimento, trabalho em altura, serviços em espaço confinado, armazenamento e manuseio de substâncias químicas, equipamentos móveis, limpeza e sanitização, corte e solda, operação de fornos, abastecimento de tanques/silos, entre outras.

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