O Brasil registra, em média, uma lesão relacionada ao trabalho a cada 51 segundos e uma morte a cada três horas, segundo dados do SmartLab, plataforma do Ministério Público do Trabalho em parceria com a OIT. Entre os registros analisados, 88% dos acidentes são considerados acidentes típicos, ou seja, acontecem diretamente dentro do ambiente profissional, durante a execução das tarefas.
As lesões mais frequentes ainda são as fraturas, cortes, contusões e esmagamentos, que correspondem a mais de 80% dos casos registrados no país. As mãos e os dedos permanecem como as partes do corpo mais atingidas, especialmente em atividades manuais e na operação de máquinas, fatores muito presentes na indústria têxtil, metalmecânica, logística e manufatura.
Ocorrências de acidentes
Esses números reforçam um problema que vai além do cumprimento de normas: há falhas na prevenção, na ergonomia e na forma como as operações são planejadas.
Foi o que aconteceu com Juliana Patrícia de Melo, que trabalhava em uma fábrica têxtil quando sofreu um acidente ao operar uma máquina de corte. A mesa não estava na altura adequada para sua estatura, e ela não usava o equipamento de proteção exigido. O resultado foi um corte profundo em um dos dedos, que a afastou do trabalho.
“Eu sempre soube da importância do EPI, mas a rotina, o cansaço e a falta de orientação fazem a gente esquecer que um detalhe pode causar uma grande mudança. A gente nunca acha que vai acontecer com a gente, até acontecer”, afirma a trabalhadora.
O caso evidencia que não se trata apenas de cumprir normas, mas de aplicar práticas que façam sentido na operação real.
Para Clayton Gonçalves, diretor comercial especialista em mobiliário industrial, o erro está na forma como muitas empresas enxergam ergonomia. “Quando um posto de trabalho está mal organizado, o corpo do trabalhador compensa com esforço. Quando uma mesa está na altura errada, o colaborador se inclina. Quando não há lógica no armazenamento, ele caminha mais do que o necessário. Tudo isso aumenta fadiga e risco de acidente. Ergonomia não é conforto, é eficiência operacional”, afirma.
Gonçalves atua projetando e fabricando mobiliários industriais e estruturando fluxos produtivos com foco prático “Quando o ambiente trabalha a favor do corpo, o risco cai e a produtividade sobe”, completa.
A advogada Gisele Seolin, afirma que casos como o de Juliana são juridicamente previsíveis e evitáveis. “A legislação é clara quanto à responsabilidade das empresas em mapear riscos, fornecer treinamento e garantir o uso adequado de EPI. Porém, muitas organizações ainda tratam segurança como gasto, não como investimento. Quando o acidente acontece, o passivo é muito maior do que o custo da prevenção”.
A advogada explica que acidentes dessa natureza podem gerar uma série de consequências legais e financeiras para a empresa. Entre elas, estão indenizações por danos morais e materiais, o que representa um impacto direto no caixa da organização. Além disso, o trabalhador acidentado pode adquirir estabilidade provisória, permanecendo na empresa mesmo após o retorno às atividades.
Outro ponto relevante são as ações regressivas movidas pelo INSS, que podem obrigar o empregador a ressarcir o Estado pelos custos do afastamento. Há ainda o prejuízo à imagem corporativa, uma vez que casos de acidente repercutem internamente e no mercado, afetando reputação e clima organizacional, “Cuidar de segurança é cuidar de pessoas e do negócio. Não existe sustentabilidade sem bem-estar do trabalhador”, afirma Seolin.
Máquinas e equipamentos
Os dados mostram que a maioria dos acidentes no Brasil tem origem em falhas estruturais da operação. As ocorrências relacionadas a máquinas e equipamentos representam uma parcela significativa dos casos, especialmente quando há ausência de proteções, sinalização ou manutenção adequada. Também são frequentes os acidentes provocados por impacto com objetos ou ferramentas, além de quedas em superfícies irregulares ou molhadas, que seguem entre as causas mais comuns no chão de fábrica. Quando o posto de trabalho não é planejado de acordo com o corpo do trabalhador, altura de bancada, alcance das mãos, peso das peças, fluxo de deslocamento, o risco se torna parte da rotina.
Casos como o de Juliana mostram que a causa do acidente raramente está apenas no indivíduo, mas na forma como o ambiente de trabalho é planejado e mantido. A prevenção vai muito além de cobrar atenção do colaborador: envolve organizar processos, capacitar equipes e ajustar o espaço para que seja seguro desde o primeiro momento. Como ressalta Clayton, “O corpo humano não é substituível. A máquina é”.


