Por Symone Miguez
PhD Delft University of Technology, ergonomista sênior certificada pela ABERGO, fisioterapeuta, e soma 25 anos de experiência em gestão ergonômica e consultoria empresarial
Muito se fala em ergonomia industrial e em escritórios, mas sua aplicação em hospitais é igualmente essencial para preservar a saúde de quem dedica a vida ao cuidado de pacientes. No Brasil, os dados do INSS de 2024 mostram a gravidade do cenário: mais de 3,5 milhões de trabalhadores receberam benefícios por incapacidade temporária devido a dores na coluna, principal causa de afastamentos, com aumento de 39% em relação a 2023.
A expressão “ergonomia hospitalar” não tem origem documentada, mas desde os anos 1980 surgiram pesquisas sobre ambiente hospitalar, enfermagem, movimentação de pacientes e riscos ocupacionais. Entre 1995 e 1999, dissertações na USP e UNICAMP abordaram organização do trabalho, carga física e fatores psicossociais. A partir dos anos 2000, o termo ganhou espaço em congressos da Associação Brasileira de Ergonomia e Fatores Humanos (Abergo), consolidando-se como campo de estudo e prática. Entretanto, as queixas osteomusculares entre profissionais da saúde ainda permanecem elevadas.
Buscando compreender estratégias internacionais, realizei uma entrevista com Luana Tacchini Bernardo, ergonomista certificada pela Sociedade Italiana de Ergonomia, fisioterapeuta e educadora física, que há 20 anos atua em hospitais na Itália. Confira:
- Qual a sua atuação como ergonomista? Atuo na análise de riscos por sobrecarga biomecânica, reorganização de tarefas, introdução de equipamentos, definição de procedimentos e treinamento. O foco é a ergonomia física, mas com interface em aspectos organizacionais e cognitivos.
- Quais as áreas críticas? Geriatria e reabilitação, devido à movimentação frequente de pacientes com mobilidade reduzida ou obesidade. No centro cirúrgico, destacam-se posturas estáticas prolongadas, gestos repetitivos e carga mental.
- Quais são os dispositivos auxiliares? Na Itália, o envelhecimento da força de trabalho reforça o uso de tecnologias que reduzem o esforço físico. Exemplos incluem:
- elevadores móveis ou de teto, leitos elétricos ajustáveis, verticalizadores, exoesqueletos, lençóis de alto deslizamento, pranchas rígidas, cintas lombares, almofadas antiderrapantes.
A escolha adequada depende de avaliação ergonômica detalhada do ambiente, da atividade e do perfil dos pacientes. A formação contínua é indispensável para garantir uso seguro e eficaz.
- Quais são as inovações tecnológicas? A incorporação de recursos digitais e robóticos tende a transformar o cenário, ainda que de forma gradual:
- Robôs cirúrgicos que reduzem riscos biológicos e posturais.
- Exoesqueletos e braços robóticos para movimentação de pacientes.
- Robôs móveis autônomos para transporte de materiais.
- Inteligência artificial para triagem em pronto-socorro, reduzindo a carga mental.
Finalizo esta entrevista, certa de que ao integrar tecnologia, o uso de dispositivos auxiliares, treinamentos e gestão participativa multidisciplinar, é fundamental para reduzir riscos ocupacionais, promover segurança do paciente e preservar a saúde dos profissionais. É importante ter em mente que esta equipe multiprofissional deve atuar juntos em três frentes:
- Definir padrões de projeto, considerando usabilidade e ergonomia dos equipamentos.
- Implementar programas de capacitação para aceitação e uso correto das tecnologias.
- Realizar monitoramento contínuo, em linha com referências em normas internacionais.