A subnotificação de acidentes de trabalho continua sendo um dos maiores desafios da segurança ocupacional no Brasil. No primeiro semestre de 2025, o país registrou 380.376 acidentes de trabalho e 1.689 mortes, o que representa um aumento de 9% e 5,6%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados do MTE/SIT. Ainda assim, o número real é muito maior: estima-se que 85% dos casos não sejam notificados, segundo dados históricos do IBGE. Entre 2012 e 2024, o Ministério Público do Trabalho contabilizou 8,8 milhões de acidentes e 32 mil mortes, apenas entre trabalhadores com carteira assinada.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança e Saúde no Trabalho (SISST), o Brasil registra hoje um acidente a cada 43 segundos — uma estatística que coloca o país na quarta posição mundial em mortes relacionadas ao trabalho. Os setores da construção civil, agronegócio e indústria concentram a maioria das ocorrências e também apresentam os maiores índices de subnotificação, especialmente entre empresas terceirizadas e com alto nível de informalidade.
Problema da subnoticação
Boa parte do problema está no descumprimento das obrigações legais. As exigências de registro e comunicação estão previstas em normas como a Lei nº 8.213/91, o Decreto nº 3.048/99 e nas Normas Regulamentadoras 1, 4, 5 e 28, que determinam desde a emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) até o registro dos eventos no eSocial, elaboração do PGR, do LTCAT e manutenção de serviços especializados em segurança e medicina do trabalho. “Essas obrigações são claras, mas ainda há uma cultura de omissão. Muitas empresas preferem não registrar acidentes para preservar indicadores e evitar custos imediatos, sem perceber que estão acumulando um passivo jurídico e reputacional muito mais caro”, explica Gleison Loureiro, especialista em compliance legal e CEO da AmbLegis.
Entre os principais fatores para a subnotificação estão o medo de represálias, a pressão por metas de produtividade, a manipulação de dados do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e a cultura organizacional deficiente. Segundo Loureiro, a falsa percepção de economia é enganosa: “As multas variam de alguns milhares até quase R$ 100 mil por ocorrência, podendo dobrar em casos de reincidência. Mas o maior custo é o invisível — o desgaste interno, a perda de confiança e o risco à reputação. O trabalhador sabe quando a empresa prefere esconder o problema a resolvê-lo.”
Indicador de ESG
Além das penalidades diretas, empresas que omitem acidentes enfrentam impactos internos graves. A ausência de transparência afeta o clima organizacional, gera queda de produtividade e aumenta a rotatividade. “Quando o colaborador percebe que a segurança não é prioridade, ele desconfia da gestão. Nenhum indicador de ESG se sustenta se a base humana está fragilizada”, acrescenta o especialista.
Outro efeito da subnotificação é a distorção dos indicadores de segurança e saúde do trabalho, criando uma falsa sensação de eficiência. Isso afeta o cálculo do FAP, reduz a eficácia das políticas públicas e compromete o planejamento de prevenção nas próprias empresas. “A gestão baseada em dados falsos é uma bomba-relógio. O gestor toma decisões acreditando que o ambiente é seguro, quando na verdade há riscos ocultos que seguem crescendo sem controle”, explica Loureiro.
Ferramentas de compliance legal digitalizadas têm se mostrado aliadas nesse cenário, oferecendo monitoramento, alertas automáticos e rastreabilidade auditável. Plataformas especializadas permitem registrar acidentes em tempo real, manter trilhas de auditoria e comprovar conformidade em fiscalizações. De acordo com Loureiro, clientes que adotaram soluções tecnológicas na gestão de requisitos reduziram em até 80% as não conformidades. “Quando o compliance deixa de ser manual e passa a ser digital, ele se transforma em vantagem competitiva: reduz custos, protege pessoas e preserva a reputação”, conclui.