Home INC - Caderno Incêndio Depósitos industriais exigem prevenção contra riscos de incêndio e falhas

Depósitos industriais exigem prevenção contra riscos de incêndio e falhas

A combinação entre produtos inflamáveis, falhas humanas e estruturas desatualizadas transforma depósitos industriais em cenários de alto risco, exigindo ações preventivas, planos de emergência eficientes e investimentos em tecnologia e treinamento.

Por Carol Gonçalves

 

Em um cenário onde grandes instalações industriais lidam com substâncias inflamáveis, o risco de incêndios vai além do fogo visível. Os danos podem ser devastadores não apenas ao local onde começam, mas também às áreas ao redor, afetando instalações vizinhas, propriedades e até comunidades inteiras. A intensidade do calor liberado, o risco de grandes derramamentos e a contaminação da água usada no combate ao fogo tornam esses eventos ainda mais críticos.

Segundo Jorge Alexandre Alves, coordenador da Comissão de Estudos de Planos e Equipes de Emergências do CB-024 – Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndios da  Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o impacto de um incêndio não se limita ao estrago imediato. “Os efeitos podem se estender por anos, com a paralisação das atividades afetando a economia local, colocando em risco empregos e prejudicando a imagem das empresas envolvidas”, conta.

1ª Tenente Olivia Perrone Cazo, chefe adjunta da Comunicação Social do CBMESP (Foto: divulgação)

Os incêndios em depósitos de materiais inflamáveis ocorrem, principalmente, devido à combinação do risco inerente dos produtos armazenados com a presença de uma fonte de ignição, como faíscas elétricas, superaquecimento de equipamentos ou chamas abertas. É o que explica a 1ª Tenente Olivia Perrone Cazo, chefe adjunta da Comunicação Social do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Os erros mais comuns envolvem o descumprimento das normas de prevenção e segurança, como: falta de bacias de contenção adequadas; ventilação insuficiente; ausência de compartimentação eficiente; falhas na manutenção da edificação; e armazenamento excessivo de materiais inflamáveis, aumentando o risco de propagação do fogo.

O Relatório Técnico de Análise Pericial de Incêndios do Distrito Federal, referente ao primeiro semestre de 2024, aponta que a maioria dos incêndios tem causas acidentais, ou seja, ocorrem sem a intenção humana de provocá-los. “Assim, o principal causador é a falha humana — seja pelo descumprimento de procedimentos operacionais, seja por problemas com os equipamentos utilizados”, acrescenta o major Fernando Tratch, comandante da 4ª Companhia do Corpo de Bombeiros Militar do Paraná e presidente da Câmara Técnica de Combate a Incêndio Urbano do CBMPR.

Exemplos marcantes

O incêndio na Alemoa, no Porto de Santos, ocorrido em 2015 em um terminal de armazenagem de combustíveis, foi uma das ocorrências mais marcantes da área. “O combate durou nove dias e deixou importantes lições, entre elas a necessidade de uma estrutura organizacional padronizada, capaz de integrar recursos como pessoal, equipamentos, instalações, comunicações e procedimentos”, comenta a 1ª Tenente Olívia. Após o incêndio, diversas legislações foram atualizadas, especialmente as Instruções Técnicas 25, 28 e 29, que tratam do armazenamento de líquidos inflamáveis e gases.

Major Fernando Tratch, comandante da 4ª Companhia do CBMPR (Foto: divulgação)

Outro caso mais recente ocorreu em Chapecó, SC, no fim de 2023, quando o Corpo de Bombeiros levou mais de 48 horas para conter um incêndio em um depósito de inflamáveis. Antes, em 2013, um incêndio de grandes proporções atingiu uma fábrica de tintas em São José dos Pinhais, PR, demandando cerca de quatro horas de combate. “Essas ocorrências exigem atenção especial, pois o fogo se propaga rapidamente e o combustível, ao vazar, não tem forma definida, dificultando o confinamento e o combate eficaz”, acrescenta o major Tratch.

Segundo ele, esses casos mostram a importância de equipes bem-preparadas e equipamentos adequados para uma resposta rápida e eficaz do Corpo de Bombeiros. Também reforçam a necessidade de métodos de combate atualizados, normas revisadas, manutenção preventiva, treinamento contínuo de brigadistas e atenção redobrada nas operações — fundamentais para evitar novos acidentes e prejuízos materiais, humanos e ambientais.

Normas nacionais

A principal norma regulamentadora (NR) obrigatória no setor é a NR-20 – Segurança e Saúde no Trabalho com Inflamáveis e Combustíveis, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ela estabelece requisitos administrativos e técnicos mínimos para a gestão de segurança e saúde no trabalho, abordando os riscos associados às atividades de extração, produção, armazenamento, transferência, manuseio e manipulação de inflamáveis e líquidos combustíveis.

Jorge Alexandre Alves, coordenador da Comissão de Estudos de Planos e Equipes de Emergências do CB-024, da ABNT (Foto: divulgação)

Além disso, as normas técnicas brasileiras (NBR) da ABNT complementam a segurança e a proteção nos processos de armazenamento e manipulação desses materiais. “A ABNT NBR 17.505, sobre Armazenagem de líquidos inflamáveis e combustíveis, é a referência principal, dividida em sete partes que cobrem desde disposições gerais e especificações para instalações fixas e portáteis, até a proteção contra incêndios em parques de armazenamento com tanques estacionários”, expõe Jorge, do CB-024.

A NR-20, assim como todas as Normas Regulamentadoras aplicáveis a cada atividade, devem ser cumpridas obrigatoriamente. Além disso, os documentos técnicos locais, como Instruções Técnicas e Notas Técnicas emitidos pelos Corpos de Bombeiros Militares nos Estados e no Distrito Federal, também têm caráter obrigatório.

“No entanto, esses documentos podem não atender completamente às necessidades das indústrias de alto risco, especialmente quando se trata de requisitos específicos para a elaboração de planos de emergência e capacitação de brigadistas, conforme as cargas horárias estipuladas”, declara Jorge Alexandre Alves.

Apesar de as NBRs serem facultativas, elas são as referências técnicas mais adequadas para plantas de alto risco. Essas normas oferecem requisitos mais detalhados para garantir a segurança de instalações e processos, além de definir os recursos materiais e sistemas necessários para combate a incêndios.

“As NBRs também abordam o desenvolvimento de Planos de Atendimento a Emergências e a composição e qualificação das equipes de emergência, elementos fundamentais para o sucesso no atendimento a incidentes, principalmente em plantas industriais que trabalham com grandes volumes de líquidos inflamáveis”, acrescenta Alves.

Normas regionais

Em São Paulo, depósitos de líquidos e gases inflamáveis devem estar em conformidade com as Instruções Técnicas 25 (partes 1 a 5), 28 e 29, atualizadas em 2025. Também é preciso seguir as exigências do Decreto Estadual nº 69.118/24, que regulamenta a Segurança Contra Incêndios em edificações e áreas de risco.

Esses depósitos são classificados como risco especial, categoria M-2, e exigem uma série de medidas de segurança, como garantir acesso adequado para viaturas de emergência, segurança estrutural contra incêndio, compartimentação horizontal e vertical, controle dos materiais de acabamento, rotas de saída de emergência, presença de brigada de incêndio, sistemas de iluminação e sinalização de emergência, além de extintores, hidrantes e mangotinhos.

“Nos casos com maior volume de armazenamento, conforme a Tabela 6M.2 do decreto, podem ser exigidos também sistemas de detecção e alarme de incêndio, resfriamento e aplicação de espuma”, diz a 1ª Tenente Olívia. As exigências variam conforme o volume armazenado – em metros cúbicos para líquidos ou quilogramas para gases – e o tipo de armazenamento, se em tanques, cilindros ou recipientes fracionados.

No Paraná, além de seguir a legislação vigente, como a Norma de Procedimento Técnico 25 (NPT 25), do CBMPR, sobre Segurança contra Incêndio para Líquidos Combustíveis e Inflamáveis, e a NBR 60079-10-1, referente a Atmosferas Explosivas, algumas orientações são importantes para garantir um ambiente mais seguro, expõe o major Tratch.

O armazenamento de líquidos inflamáveis deve ser feito em recipientes homologados, com a capacidade adequada e sempre afastados de materiais combustíveis e fontes de calor. “A ventilação do local é fundamental para evitar o acúmulo de vapores inflamáveis”, destaca o oficial.

Além disso, é necessário disponibilizar extintores apropriados e instalar sistemas preventivos, conforme as normas, como manter um plano de emergência com treinamento regular dos funcionários. Durante as manutenções, deve-se garantir que o local esteja limpo e sem materiais combustíveis nos tanques de armazenamento.

“Seguir rigorosamente os procedimentos de segurança, evitar improvisações no manuseio e estocagem, e realizar a manutenção e limpeza constantes para prevenir o acúmulo de resíduos inflamáveis e falhas em tubulações e válvulas são práticas essenciais. Também é necessário não misturar substâncias incompatíveis e evitar empilhar recipientes de forma instável”, adiciona a 1ª Tenente Olívia.

Desafios e orientações

Foto: Jorge Alexandre Alves/CB-024

Muitas vezes, as áreas de armazenamento e os processos que envolvem inflamáveis estão localizados em instalações antigas, que não atendem mais aos requisitos das normas técnicas atualizadas. “Para adequar essas estruturas, são necessários investimentos e, frequentemente, paralisação parcial das operações, representando um grande desafio para a indústria”, aponta Alves, do CB-024.

Em resposta a essas dificuldades, muitas empresas optam por cumprir apenas as exigências mínimas das normas obrigatórias para garantir a emissão das licenças de operação ou atender às auditorias de seguradoras.

Outro desafio crítico é o investimento na capacitação das equipes de emergência. Formadas por brigadistas ou bombeiros civis, elas precisam cumprir requisitos mais exigentes estabelecidos pelas normas da ABNT, como a NBR 14276 e a NBR 14608. Essas normas detalham os procedimentos para a formação e atuação dos profissionais em ambientes de alto risco.

Além da formação técnica, é necessário realizar exercícios práticos periódicos para avaliar o desempenho dos sistemas de proteção e combate a incêndios, como resfriamento, câmaras de espuma e equipamentos para contenção de impactos ambientais.

Os treinamentos também servem para verificar o domínio técnico dos profissionais na operação de sistemas fixos, móveis e portáteis, e garantir a aplicação eficaz das estratégias de prevenção e controle de emergências, considerando diferentes cenários acidentais.

Empresas que operam com líquidos inflamáveis em plantas de alto risco devem oferecer Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) específicos não apenas para as rotinas operacionais, mas também para o combate a incêndios, conforme normas da ABNT aplicáveis a brigadistas e bombeiros civis. Entre os itens essenciais estão capacete com proteção ocular, balaclava, jaqueta e calça próprias, luvas, botas e Equipamento de Proteção Respiratória Autônomo (EPRA).

O uso do EPRA é obrigatório em ambientes com deficiência de oxigênio, contaminados por produtos da combustão, ou que possam apresentar essas condições a qualquer momento, inclusive em operações subterrâneas, salvo se o local for comprovadamente seguro e monitorado.

Além disso, todos os sistemas e equipamentos de detecção e proteção — como extintores, sprinklers, resfriadores e câmaras de espuma — devem ser compatíveis com os riscos presentes nas áreas onde serão utilizados. A manutenção preventiva e as inspeções periódicas, com base nas normas da ABNT, são indispensáveis.

A fiscalização das medidas de prevenção e combate a incêndios é realizada pelos Corpos de Bombeiros dos estados e do Distrito Federal, que também emitem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) com base no cumprimento das exigências. Já os órgãos ambientais atuam especialmente nos casos em que há risco de impactos ambientais, o que influencia diretamente na concessão de licenças operacionais.

Plano de prevenção

A avaliação de riscos e o desenvolvimento de um plano de prevenção em áreas com inflamáveis não devem se limitar às exigências mínimas previstas nos decretos dos Corpos de Bombeiros. “Um dos maiores problemas hoje é que os profissionais vão direto para o decreto e seguem apenas o que está ali, sem fazer uma análise real de risco”, alerta Debora Arjona, primeira operadora oficial da National Fire Protection Association (NFPA) no Brasil e instrutora da NFPA LATAM.

Debora Arjona, primeira operadora oficial da NFPA no Brasil e instrutora da NFPA LATAM (Foto: divulgação)

Segundo Debora, nenhum Corpo de Bombeiros no país exige uma análise de risco detalhada — isso cabe ao profissional técnico responsável pelo projeto. “É aí que muitos projetos acabam saindo errados”, afirma.

Débora ressalta que há normas específicas para orientar essa análise, mas muitas vezes são ignoradas. No mínimo, o processo deveria envolver as seguintes etapas:

  1. Conhecer bem os produtos armazenados e suas possíveis reações químicas.
  2. Compreender a operação da empresa. O modo como cada local funciona pode gerar riscos específicos — como em procedimentos de limpeza, manutenção ou até na escolha do uniforme, que pode acumular energia estática e provocar explosões dependendo do produto.
  3. Avaliar todos os processos. Um simples choque de energia estática, comum no dia a dia, pode causar um acidente grave em ambientes inadequados.
  4. Instalar sistemas de prevenção compatíveis com os riscos, como ventilação adequada, proteções passivas para evitar propagação e sistemas automáticos de combate a incêndio.
  5. Treinar constantemente a equipe. “Locais nos quais as pessoas se sentem muito confiantes é onde mora o perigo. A confiança excessiva gera descuido”, diz.

Esses planos também precisam ser atualizados com frequência. Mudanças nos processos ou nos produtos armazenados exigem reavaliações imediatas. O mínimo recomendado é realizar treinamentos anuais, mas em operações mais complexas ou com alta rotatividade de funcionários, o ideal pode ser treinar a cada seis meses ou até com maior frequência.

“Não existe uma regra única. O ideal é adaptar conforme a realidade de cada operação”, reforça Debora. “O importante é manter o time treinado e os sistemas, atualizados”, encerra.

Indústrias químicas investem em tecnologia e reforçam proteção ambiental

 A indústria química tem papel central na segurança de depósitos de inflamáveis. Com base na natureza dos produtos que manipula, o setor adota protocolos rigorosos de prevenção, como o Programa Atuação Responsável®, marca registrada da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). A iniciativa reforça a gestão segura de processos e instalações, indo além do simples cumprimento legal e promovendo uma cultura de segurança estruturada.

Foto: Abiquim/Divulgação

Segundo Luiz Shizuo Harayashiki, gerente de Gestão Empresarial da Abiquim, a negligência em segurança pode acarretar graves consequências, incluindo riscos legais, prejuízos financeiros, ameaças à vida humana e danos ambientais. Além disso, acidentes comprometem a reputação das empresas e a confiança da sociedade.

Para mitigar esses riscos, a indústria química tem investido em tecnologias como Internet das Coisas (IoT), blockchain e sistemas automatizados de monitoramento, que aumentam a eficiência e reduzem falhas operacionais. “Tecnologias que reduzem a liberação de compostos voláteis também têm ganhado espaço, reforçando a proteção ambiental”, acrescenta Harayashiki.

Esses avanços tecnológicos devem caminhar junto com a qualificação contínua dos profissionais e a construção de uma cultura de segurança sólida. Isso inclui a capacidade de identificar riscos, responder rapidamente a emergências e seguir normas em saúde, segurança, meio ambiente e qualidade.

Outro elemento essencial é um plano de emergência bem estruturado, alinhado ao plano de gestão de riscos. Ele deve ser específico para os produtos e cenários da instalação e contar com a participação de todos os colaboradores. “Treinamentos e simulações regulares são fundamentais para garantir respostas eficazes e evitar tragédias”, finaliza.

0 FacebookWhatsappEmail

A Revista CIPA & INCÊNDIO e o seu Portal de Notícias são publicações da Fiera Milano Brasil, dedicados aos setores de Segurança e Saúde do Trabalho (SST) e à Prevenção e Combate a Incêndios

CONTATO

Grupo Fiera Milano Brasil

Av. Angélica, 2491 – 20º andar
cjs 203/204 – CEP: 01227-200
São Paulo – Brasil

+55 (11) 5585.4355

+55 (11) 3159-1010

www.fieramilano.com.br

 

redacao@fieramilano.com.br

anuncio@fieramilano.com.br

 

Copyright @2025  – Portal e Revista CIPA & INCÊNDIO

Site por: Código 1 TI

NEWSLETTER

Ao assinar a newsletter, você aceita receber comunicações do Grupo Fiera Milano Brasil e de seus parceiros, e concorda com os termos de uso e com a Política de Privacidade deste serviço.