O Congresso Nacional discute a retomada da exigência do extintor de incêndio para automóveis de passeio no Brasil. A proposta, originada por iniciativa do deputado Moses Rodrigues (União-CE), já avançou em duas instâncias do Senado. Em novembro do último ano, a matéria recebeu parecer favorável do senador Eduardo Braga (MDB-AM) na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC)[1].
O Projeto de Lei referente ao assunto possui o número 159[2], do ano de 2017, com a ementa que altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para incluir entre os equipamentos obrigatórios dos veículos extintor de incêndio com carga de pó ABC. O projeto pode ser acompanhado no link https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131762. Em março de 2025, o PL apresentava quase 6.000 votos a favor e, por outro lado,2.100 contra a matéria.
Anteriormente, em 2019, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) havia emitido parecer contrário à proposta, fundamentado no relatório do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN). A obrigatoriedade do equipamento para carros de passeio e veículos utilitários foi revogada em 2015, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Atualmente, é facultativa, por opção do proprietário, a instalação do extintor de incêndio para automóveis, utilitários, camionetas, caminhonetes e triciclos de cabine fechada. Por outro lado, a exigência do extintor de incêndio permanece válida para caminhão, caminhão-trator, micro-ônibus, ônibus, veículos destinados ao transporte de produtos inflamáveis, líquidos, gasosos e para todo veículo utilizado no transporte coletivo de passageiros.
A Segurança contra Incêndio e a proteção por extintores
A Segurança contra Incêndio, resumidamente, pode ser entendida como a ciência que visa prevenir a ocorrência de sinistros de incêndio e, na eventualidade da ocorrência de um incêndio, mitigar e reduzir impactos e danos em pessoas, bens, fauna e flora. Assim, existem medidas e sistemas para alcançar esses objetivos. As medidas e sistemas de SCI são classificados em passivas e ativas.
A proteção por extintores, nome mais adequado para a medida em debate, é uma proteção ativa. A norma de referência no Brasil é a NBR 12693:2021 – Sistemas de proteção por extintores de incêndio da ABNT[3]. Importante também observar que o escopo da norma deixa bem claro que a NBR 12693 não se aplica à proteção por extintores em aeronaves, embarcações e veículos.
Apesar disso, essa norma apresenta a doutrina geral para uso de extintores. Pela NBR 12693, a proteção por extintores é destinada à princípios de incêndio, ou seja, não se destina a incêndios em estágio de flashover ou totalmente desenvolvidos. Isso está previsto tanto na introdução como no escopo da NBR 12693:2021 – Sistemas de proteção por extintores de incêndio da ABNT. Reforça-se, então, que os extintores se destinam aos momentos iniciais da curva tempo x temperatura[4] (ou tempo x taxa de liberação de calor), conforme ilustra a figura 1, logo abaixo.

Imagem: arquivo do autor
Então, esse ponto é muito importante: extintores são para princípios de incêndio e não são indicados para incêndios em flashover ou incêndios totalmente desenvolvidos. Os extintores de incêndio são equipamentos destinados ao combate do princípio de incêndio, ou seja, são utilizados como primeira linha de ataque contra incêndio de tamanho limitado[3]. Essa seria uma limitação preliminar da proteção por extintores, mas há mais algumas. Uma exposição de vantagens e limitações do extintor veicular pode contribuir com a discussão.
Prós e contras do extintor veicular
Para analisar a legitimidade de uma eventual obrigatoriedade de extintor em veículos de passeio, é fundamental a exposição de vantagens e limitações desse aparelho extintor. As vantagens da proteção por extintores são amplamente conhecidas:
- Pode ser facilmente operado por quem tem treinamento básico;
- O treinamento é simplificado, podendo ser feito com baixo custo, com menor duração e no próprio curso de formação/atualização de condutores;
- A alocação de extintores, tanto em edificação como em veículos, favorece o trabalho dos bombeiros militares e/ou brigadistas que estejam próximos a sinistros de incêndio;
- O aparelho extintor veicular possui custo baixo em relação ao valor total do veículo;
- A validade de um extintor veicular pode atingir até 5 anos.
Do outro lado, há limitações no uso da proteção por extintores, especialmente quanto ao extintor veicular:
- Possuem desempenho limitado, destinando-se aos princípios de incêndio (por exemplo: potencialmente não haveria desempenho suficiente em um veículo inteiramente tomado por chamas);
- Depende de operador treinado;
- Depende de destreza do operador;
- Depende da correta seleção do agente extintor e de sua capacidade extintora (por exemplo: um extintor de dióxido de carbono (CO2) potencialmente não teria desempenho suficiente);
- Depende de manutenção regular e da validade do agente extintor e da estrutura do aparelho (teste hidrostático do cilindro);
- Em caso de mal armazenamento ou impactos, há possibilidade de mal funcionamento;
- Pode induzir ao combate imprudente, em detrimento da evacuação e afastamento do veículo em chamas, que é o comportamento mais recomendado em sinistros de incêndio;
- Não possuem desempenho prescrito para veículos elétricos e/ou a hidrogênio;
Como é lá fora?
De forma a comparar o cenário de obrigatoriedade de extintor veicular existente entre diversos países, podemos observar que não há unanimidade nessa questão:
Países com obrigatoriedade de extintor veicular:
- Países do Leste da Europa[6], Coreia do Sul, Colômbia, Argentina, Uruguai, Chile, entre outros.
Países sem obrigatoriedade:
- Brasil, Reino Unido, países do Oeste da Europa[6], Estados Unidos, Filipinas, China, Japão, entre outros.
Apesar da não obrigatoriedade, muitos dos países da Europa há recomendações que motoristas devem possuir extintores veiculares. Por exemplo, nos EUA, a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA, na sigla em inglês), também recomenda que motoristas tenham extintores veiculares, especialmente em caminhões leves[7].
Segurança contra incêndios com evidências
De fato, requisições legais e prescrições normativas de segurança contra incêndio devem ser elaboradas e revisadas com base em evidências, especialmente em dados e informações de incêndios. Esse é um dos objetivos da investigação de incêndio: investigar para prevenir.
Para contextualizar melhor a discussão, é importante analisar dados estatísticos de outros países. Pode-se consultar números sobre incêndios veiculares para um correto diagnóstico e eventual proposições de soluções para incêndios veiculares. Inicialmente, por possuir organização de investigação de incêndio mais robusta, apresenta-se a exposição de dados existente nos Estados Unidos, em que quase 43% dos sinistros de incêndio têm causas involuntárias, 18% causas provenientes de falhas e 4,2% têm causas intencionais.
Em relação às pessoas feridas e óbitos decorrentes de sinistro de incêndio em veículos nos EUA, de 2018 a 2022, percebe-se que a parte mais impactada são adultos entre 15 a 44 anos. Por outro lado, parte significante dos feridos e óbitos em incêndios veiculares envolvem crianças e idosos.
Em relação ao primeiro combustível ignizado, nos EUA, de 2018 a 2022, os itens mais recorrentes são: cabos e isolações de condutores, líquidos/gases inflamáveis provenientes do motor, pneus e estofamentos. Especificamente nos incêndios veiculares com óbitos, o primeiro combustível ignizadosão líquidos inflamáveis/gases proveniente do motor. Observa-se que há uma razoável correlação de instalações elétricas com surgimento de incêndio em veículos.
Apesar de haver dados robustos de sinistros de incêndios nos EUA, o Departamento de Transporte dos EUA negou uma petição para regulamentação apresentada pela Fire Equipment Manufacturers Association para exigir que todos os novos caminhões leves sejam equipados com extintores de incêndio[7]. Segue abaixo um trecho dessa interessante análise ocorrida nos EUA:
No entanto, a FEMA não apresentou dados que demonstrem que exigir extintores de incêndio portáteis em novos caminhões leves reduziria o número de ferimentos ou fatalidades associados a esses incêndios. A agência não se convenceu pelo argumento da FEMA de que aumentar o número de extintores de incêndio nas estradas reduziria o número de feridos ou mortos.
Os dados da United States Fire Administration (USFA), pertencente ao Departamento de Segurança Interna, Agência Federal de Gerenciamento de Emergências (FEMA), mostram que 64% das mortes por incêndio em veículos são resultado de colisões. Os dados também indicam que 45% das pessoas feridas em incêndios veiculares se machucaram ao tentar controlar o fogo, 21% se feriram tentando escapar das chamas e apenas 11% das vítimas estavam incapacitadas antes da ignição.
A agência também se preocupa que disponibilizar extintores de incêndio portáteis em todos os caminhões leves possa aumentar o número de ferimentos e fatalidades. Os dados da USFA mostram claramente que 45% das pessoas feridas em incêndios veiculares se machucaram ao tentar controlar o fogo. Embora bons samaritanos possam ter treinamento e/ou conhecimento suficientes para ajudar a extinguir um incêndio veicular, não há evidências que sugiram que o público em geral possa extinguir esses incêndios com segurança sem se expor a um risco maior do que o benefício potencial, mesmo que os extintores estejam devidamente mantidos. […]
Dessa forma, os dados disponíveis não demonstram que exigir extintores de incêndio portáteis em novos caminhões leves, conforme solicitado pela FEMA, reduziria o número de mortes e ferimentos relacionados a incêndios em veículos[7].
Infelizmente, no Brasil ainda não há uma consolidação de dados de sinistros incêndios e de investigação de incêndio tão bem organizados. O que podemos encontrar, via de regra, são os números totais de incêndios em veículos (sem diferenciação entre carros de passeio e comerciais). No Distrito Federal, pode-se encontrar algumas informações como de que a origem mais comum em incêndios veiculares é o compartimento do motor[8].
De acordo com os dados acima, não há um conjunto de evidências sólidas, harmonicamente reunidas, que demonstre que a proteção por extintores veiculares (ou sua ausência) potencializou a proteção contra incêndio ou mitigou danos/prejuízos ou ferimentos/óbitos em incêndios veiculares, especialmente em veículos de passeio. Dessa forma, não se encontra evidência, quantitativa, para afirmar que a obrigação (ou não) de extintores veiculares favorece a segurança contra incêndio. Assim, o principal subterfúgio de apoio à decisão de legisladores ainda permanece na observação empírica dos sinistros de incêndios, com potenciais análises subjetivas.
Como funciona para outros meios de transporte?
Via de regra, outros meios de transporte como aeronaves e embarcações, devem possuir extintores, mas também há especificações e prescrições voltadas para o desempenho de materiais (espumas, tecidos, plásticos, etc.) de aeronaves e embarcações. Por exemplo, para aeronaves, via de regra, exige-se que os materiais de interior devem passar por testes FST (Flammability, Smoke, Toxicity)Erro! Fonte de referência não encontrada., em português flamabilidade, fumaça e toxicidade. Para embarcações, via de regra, exige-se testes de propagação superficial de chama, análise da geração e toxicidade da fumaça.
Nos EUA e Europa há prescrições de desempenho contra incêndio também para veículos de passeio. Por exemplo, exige-se teste horizontal de inflamabilidade, em algumas situações. Pode-se ainda exigir o uso de retardantes organofosforados em espumas (que também têm sido questionados quanto a potenciais danos à saúde humana). São prescrições e testes voltados para a proteção passiva.
A segurança contra incêndios no Brasil em veículos automotores carece de regulamentações robustas comparadas aos setores aeronáutico e marítimo. Enquanto aviões e embarcações possuem exigências sobre a combustibilidade de materiais internos (proteção passiva), a discussão sobre obrigatoriedade do extintor é integralmente proteção ativa. Lembrando que a proteção ativa (extintor) depende de um operador, já a proteção passiva está incorporada ao veículo e não depende de (quase) nenhuma ação ou diligência do motorista ou passageiro.
Qual a solução então?
As evidências (ou a falta delas) demonstram que a discussão do retorno da obrigatoriedade do extintor veicular para veículos de passeio aparenta estar potencialmente inadequada e eventualmente defasada. Diante da falta de dados conclusivos, é essencial que o Congresso Nacional, Ministério dos Transportes e/ou o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) priorizem pesquisas e fomentem os Corpos de Bombeiros Militares para a reunião e exposição de dados e informações sobre o tema, fundamentando suas decisões em evidências consolidadas, evitando potenciais decisões empíricas.
A partir daí, deve-se buscar soluções de proteção passiva, como existem na Europa e nos EUA. Deve-se estudar e fomentar o controle de materiais ignificáveis. Deve-se buscar prescrições seguras, atestadas e consolidadas para o controle de materiais ignificáveis, como: Plásticos de componentes internos (painéis, revestimentos de porta, consoles, entre outros); Espumas de assentos e estofados; Tecidos de assentos e estofados; Forros e revestimentos de piso, teto e parede de veículos; entre outros.
As diligências e exames devem envolver controle de: Inflamabilidade: avaliação da facilidade com que um material pode inflamar e sustentar a combustão; Propagação de chama: análise da velocidade com que o fogo se espalha sobre a superfície do material; Liberação de energia: quantificação da energia térmica (“produção de calor”) liberada durante a combustão do matéria; Verificação de gotejamento flamejante: verificação se o material libera partículas incandescentes que podem iniciar um incêndio secundário ou gerar ferimentos; Produção e toxicidade de fumaça: análise da quantidade e composição da fumaça gerada, bem como a presença de gases tóxicos.
Logicamente, esse incremento de tecnologia tem um custo direto, que seria naturalmente repassado aos consumidores. Poderia haver eventual resistência inicial de representantes da indústria automobilística de implementar tais medidas. Mas isso já ocorreu no Brasil, em 2014, quando a Resolução 311/2009 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) prescreveu a obrigatoriedade progressiva de airbags e freios ABS na indústria automobilística brasileira. Essas peças, que antigamente eram opcionais de luxo, hoje estão implementadas e possuem custo reduzido quando comparado à situação antes da Resolução 311/2009.
A solução, por incrível que pareça, pode não estar tão distante. Ocorreu uma consulta pública em 2022 sobre o tema. A Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Ministério dos Transportes elaborou uma minuta de Resolução que dispõe sobre requisitos aplicáveis aos materiais de revestimento interno de veículos automotores nacionais e importados[9]. A minuta está disponível no link: https://www.gov.br/participamaisbrasil/-requisitos-aplicaveis-materiais-revestimento-interno-veiculos-automotores-)
Resumidamente, a minuta estabelece procedimento para determinar a velocidade de propagação de chama para os materiais empregados nos revestimentos internos dos habitáculos (interiores) dos veículos. A minuta apresenta os seguintes exames: ensaio para determinar a velocidade de queima horizontal dos materiais, ensaio para determinar o comportamento à fusão dos materiais, ensaio para determinar a velocidade de queima vertical dos materiais e ensaio para determinar a capacidade dos materiais de repelir combustíveis ou lubrificantes. A minuta apresenta um texto bem próximo ao Regulamento das Nações Unidas (UN-R118.02) e a regulamentações dos EUA (FMVSS 302).
O prazo de cumprimento está proposto para a partir de 1 de janeiro de 2028. Infelizmente, a participação da sociedade ficou discreta, limitando-se a apenas três sugestões de revisão do texto proposto por apenas uma única parte. A sociedade deve atender os convites de participação e decidir conjuntamente com órgãos regulares a favor de padrões mais seguros de proteção contra incêndios. Precisamos nos posicionar a favor de um país mais seguro e com menos incêndios.
Referências
- Guedes, Aline (2025). Senado pode votar em 2025 volta da obrigação de extintores em carros. Agência Senado. Obtido em 22 de março de 2025, de https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/01/17/senado-pode-votar-em-2025-volta-da-obrigacao-de-extintores-em-carros.
- Câmara dos Deputados. (2017). Projeto de Lei da Câmara nº 159, de 2017: Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para incluir entre os equipamentos obrigatórios dos veículos extintor de incêndio com carga de pó ABC. Obtido em 31 de março de 2025, de https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131762.
- (2021). NBR 12693:2021 – Sistemas de proteção por extintores de incêndio. Associação Brasileira de Normas Técnicas.
- Drysdale, D. (1998). An introduction to fire dynamics (2nd ed.).
- Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2021). NBR 12693: Sistemas de proteção por extintores de incêndio. ABNT.
- Safety First Aid. (n.d.). What do I need for driving in Europe? Obtido em 31 de março de 2025, de https://www.safetyfirstaid.co.uk/what-do-i-need-for-driving-in-europe/.
- Federal Register. (2005, maio 6). Vol. 70, No. 87. ProposedRules.Obtido em 31 de março de 2025, de https://www.govinfo.gov/content/pkg/FR-2005-05-06/pdf/FR-2005-05-06.pdf.
- Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal. (2024). Investigação de Incêndio. Segurança Contra Incêndio. Obtido em 31 de março de 2025, de https://segurancacontraincendio.cbm.df.gov.br/investigacao-de-incendio/#estatisticas.
- Câmara Temática de Assuntos Veiculares. (2022). Minuta de Resolução que dispõe sobre requisitos aplicáveis aos materiais de revestimento interno de veículos automotores nacionais e importados. Governo do Brasil. Obtido em 31 de março de 2025, de https://www.gov.br/participamaisbrasil/-requisitos-aplicaveis-materiais-revestimento-interno-veiculos-automotores.

Foto: Divulgação
Rodrigo Almeida Freitas
Bombeiro militar, do CBMDF, com 22 anos de serviço, entusiasta da Segurança Contra Incêndio (SCI), Engenheiro Civil, especializado em Segurança do Trabalho, pesquisador e professor. Atua em simulação computacional de incêndio e de evacuação. Cursa atualmente Doutoramento em Segurança aos Incêndios na Universidade de Coimbra, em Portugal.