Home SST - Legislação e Normas Proteção contra o frio no trabalho: EPI adequado é fundamental

Proteção contra o frio no trabalho: EPI adequado é fundamental

Urgência na atualização das normas e na escolha consciente dos EPIs térmicos

Por Rafael Fuchs

A exposição ocupacional ao frio é uma realidade para milhares de trabalhadores brasileiros, especialmente nos setores de logística refrigerada, indústria alimentícia, indústria farmacêutica, frigoríficos e portos. Todos são setores primordiais para a economia e para o bom funcionamento da sociedade. Apesar disso, os riscos associados ao frio são frequentemente subestimados, resultando em condições de trabalho que podem comprometer a saúde e a segurança dos trabalhadores. Este artigo busca aprofundar a discussão sobre a legislação vigente, os critérios para a seleção de vestimentas térmicas adequadas, os principais riscos e doenças relacionados ao frio, além de apresentar estatísticas atualizadas e defender a necessidade de revisão das normas trabalhistas brasileiras.

Legislação Brasileira sobre Exposição Ocupacional ao Frio
A legislação brasileira que aborda a exposição ao frio é limitada e, em muitos aspectos, desatualizada. O principal dispositivo é o Artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – cuja redação é de 1943 e permanece inalterada desde então. Esse artigo estabelece pausas laborais de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho contínuo em ambientes frios, com a intenção de haver recuperação térmica do trabalhador fora deste ambiente. No entanto, essa legislação não especifica faixas de temperaturas mínimas que o trabalhador pode ser exposto nem critérios técnicos para a seleção de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), deixando lacunas significativas na proteção dos trabalhadores.
Além disso, a Norma Regulamentadora NR-15 reconhece o frio como agente insalubre, mas não define limites de tolerância claros. Outras normas, como a NR-29 (Segurança e Saúde no Trabalho Portuário) e a NR-36 (Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados), mencionam o risco térmico-frio, porém de forma superficial e sem orientações técnicas detalhadas principalmente devido ao fato de não diferenciar o risco por faixas de temperatura o que em tese, trata uma exposição a temperatura de -5ºC da mesma forma do que exposição a -55ºC – simplesmente classificando que ambas são igualmente insalubres e colocando todo o ônus da escolha dos mecanismos de proteção do trabalho no empregador e nos profissionais de SST.
Essa falta de especificidade e atualização normativa coloca os trabalhadores em situação de vulnerabilidade, evidenciando a necessidade urgente de revisão e criação de normas que considerem os avanços tecnológicos e as melhores práticas internacionais.

Critérios para Escolha de Vestimentas Térmicas Adequadas
A seleção de vestimentas térmicas apropriadas é fundamental para garantir a proteção eficaz dos trabalhadores expostos ao frio. Os principais fatores a serem considerados incluem:

  • Temperatura do ambiente de trabalho – Quão fria é a operação e quais as condições ambientais globais deste ambiente.

  • Duração da exposição ao frio – A perda de calor corporal é gradativa e quanto maior o tempo de exposição, mais severos serão os efeitos nocivos deste agente.

  • Nível de atividade física desempenhada – A atividade física “queima calorias” – gerando calor. Portanto, quanto maior o gasto energético para desempenhar uma atividade, menos impacto o frio terá sobre o trabalhador.

  • Umidade e velocidade do ar no ambiente – O vento e a umidade causam perda acelerada de calor e pioram significativamente a sensação térmica de um ambiente.

A prática comum de rotular vestimentas com temperaturas específicas, como “Proteção até -35°C”, é tecnicamente imprecisa e pode induzir a escolhas inadequadas. Essa indicação é antiga e obsoleta, utilizada por fabricantes desde antes das normas europeias terem sido adotadas e de haver obrigação de ensaios para a obtenção dos CA’s.

Como escolher o EPI mais adequado então?
A escolha do EPI para cada operação depende de diversos fatores, como citado acima. Portanto, o setor de SST deve avaliar os riscos gerais e ambientais, realizar testes com os equipamentos, e fazer um acompanhamento próximo do seu desempenho para a homologação. Vale frisar que mesmo em uma mesma câmara fria, trabalhadores em funções distintas podem precisar de diferentes padrões de EPI’s. Por exemplo, um operador de logística que opera paleteiras, faz transporte manual de caixas e produtos sofrerá muito menos com os efeitos do frio em comparação a um operador de empilhadeira que trabalha sentado na máquina, sem gasto energético. Ambos estão expostos ao mesmo agente de risco, mesma temperatura mas a equipe de SST deve ter um olhar diferenciado para cada função.

A falta de normas claras torna todo esse processo de avaliação e escolha de EPIs difícil, moroso e arriscado para os profissionais de SST. E os maiores prejudicados são os trabalhadores que muitas vezes recebem um EPI ineficaz para a sua atividade.

As normas adotadas para certificação dos EPIs
Internacionalmente, destacam-se as seguintes normas técnicas que orientam a escolha de vestimentas térmicas, que também foram adotadas no Brasil para a certificação dos equipamentos (CA):

  • EN 14058: Aplicável para ambientes com temperaturas entre +15°C e -5°C, focando em roupas de proteção contra ambientes frios moderados.
    Os ensaios dessa norma são todos realizados em laboratórios brasileiros, contudo, são limitados a vestimentas menos críticas como conjuntos de moletom, segunda pele, uniformes “semi-térmicos” e etc.

  • EN 342: Destinada a ambientes com temperaturas inferiores a -5°C, avaliando o isolamento térmico (valor ICLER) e a permeabilidade ao ar das vestimentas.
    O ensaio de isolamento térmico resultante (Icler) é realizado somente na Europa e simula o corpo humano através de um manequim especial que gera calor e é exposto a baixas temperaturas enquanto vestido com as amostras. É um teste preciso para basear o nível de resistência das vestimentas.

Figura 3 – Isolamento Térmico Efetivo e Resultante

  • EN 511: Específica para luvas de proteção contra frio, avaliando resistência térmica e à penetração de água.

Figuras 1 e 2 – Frio por Convecção (Isolamento Térmico) e Frio por Contato (Resistência Térmica)

  • Realizado também no Brasil, classifica numericamente as luvas pela sua resistência ao frio de contato (ao encostar em superfícies frias), frio de convecção (perda de calor para a atmosfera) e impermeabilidade.

O valor ICLER (Insulation Clothing Level Resultant) é um indicador crucial, pois relaciona o desempenho térmico da vestimenta com a temperatura ambiente e o nível de atividade física do trabalhador.

Principais Doenças e Riscos Ocupacionais Associados ao Frio
A exposição prolongada ao frio pode desencadear diversas condições adversas à saúde, tais como:

  • Hipotermia: Redução perigosa da temperatura corporal basal, podendo ser fatal se não tratada adequadamente.

  • Ulcerações por frio (frostbite): Lesões nos tecidos devido ao congelamento, afetando principalmente extremidades como dedos, pés, nariz e orelhas.

  • Fenômeno de Raynaud: Contração dos vasos sanguíneos dificultando ou interrompendo a circulação local. Também comum nas extremidades. Causa palidez local (devido à falta de sangue circulando) que pode evoluir para necrose se não for revertida a tempo.

  • Distúrbios osteomusculares: Exposição ao frio pode aumentar a rigidez muscular e principalmente articular, elevando o risco de lesões, desenvolvimento de doenças articulares.

Além disso, a combinação de frio intenso com atividades laborais repetitivas, comuns em frigoríficos, pode potencializar o desenvolvimento de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).

  • Risco Psicossocial: Jornadas de trabalho realizadas em ambiente hostil como o refrigerado podem ser consideradas um risco psicossocial, que recentemente foi incluído na NR 01. E sem EPI’s adequados e processos eficientes, esse risco pode ser muito agravado.

Estatísticas de Doenças e Afastamentos Relacionados ao Frio
Embora haja uma significativa subnotificação, especialmente no setor frigorífico, dados disponíveis apontam para um cenário preocupante:


Esses números refletem não apenas a gravidade das condições de trabalho, mas também a necessidade de medidas preventivas eficazes e de uma legislação mais robusta.

Necessidade de Atualização do Artigo 253 da CLT e das Normas Brasileiras
A atual redação do Artigo 253 da CLT e das normas relacionadas mostra-se insuficiente para a proteção adequada dos trabalhadores expostos ao frio. Dessa forma, há algumas medidas que podem ser tomadas para trazer maior segurança laboral aos trabalhadores:

  • Revisão do Artigo 253 da CLT e do Anexo 9 da NR 15: Incorporar critérios técnicos baseados em faixas de temperatura e índices como o ICLER, alinhando a legislação às necessidades reais dos trabalhadores.

  • Internalização das Normas EN 342 e EN 14058: Adaptar essas normas internacionais ao contexto brasileiro, estabelecendo parâmetros claros para a fabricação e seleção de vestimentas térmicas, bem como temperaturas e tempos máximos de exposição amparados por lei ou NR.

  • Criação de NR Específica: Desenvolver uma norma que aborde de forma abrangente a gestão do risco térmico-frio, detalhando procedimentos para avaliação de risco, seleção de EPIs e medidas de controle ambiental.

Artigo elaborado pelo CTEN ANIMASEG (Associação Nacional da Indústria de Material de Segurança e Proteção ao Trabalho) – Vestimenta Térmica – Frio – Autor: Rafael Fuchs, especialista em Proteção Térmica – Frio.

Fotos e imagens: arquivos do autor

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