Por Débora Arjona Tomé
O incêndio ocorrido hoje, durante a COP em Belém do Pará, expõe para o mundo aquilo que nós, profissionais de Segurança Contra Incêndio, denunciamos há anos: o Brasil permanece perigosamente atrasado em suas estruturas normativas, legais e operacionais de prevenção e combate a incêndio.
E mais grave: os Corpos de Bombeiros continuam sem apoio político e sem acesso aos recursos necessários para aprimorar seus EPIs, EPRs, equipamentos operacionais e infraestrutura mínima para treinamentos contínuos — treinamentos esses indispensáveis para acompanhar a evolução global dos riscos, dos materiais, das tecnologias e das indústrias.
Em pleno evento internacional que discute o futuro do planeta, somos confrontados com mais um episódio totalmente evitável — resultado direto de um sistema que se recusa a evoluir.
Problemas estruturais que o país insiste em não enfrentar:
- Base normativa desatualizada, incapaz de responder à complexidade dos riscos modernos, conduzindo projetos com referências ultrapassadas.
- Ausência de um mapa normativo nacional, deixando o país sem diretrizes unificadas para segurança contra incêndio.
- Legislação estadual fragmentada, em que cada Corpo de Bombeiros estabelece suas próprias regras, gerando um mosaico de exigências que fragiliza a segurança pública e impede a padronização e a eficiência.
E é preciso dizer com clareza: muitas vezes — quase sempre — isso ocorre por questões políticas. Mesmo quando as corporações tentam avançar tecnicamente, são impedidas. O Brasil é travado por interesses que nada têm a ver com proteção à vida.
- Normativas que permitem interpretações equivocadas e soluções inseguras, abrindo brechas para decisões críticas sem rigor técnico.
- Manutenção inexistente na maioria dos sistemas instalados. Aquilo que deveria proteger simplesmente não funciona, tornando-se inútil no momento decisivo.
- Falta de estrutura, investimento e apoio político para que os bombeiros brasileiros possam desempenhar seu trabalho com segurança e excelência.
Sem recursos, sem equipamentos modernos, sem EPIs/EPRs adequados, sem atualização tecnológica, e sem centros permanentes de treinamento, cobra-se eficiência de quem sequer recebe o mínimo para se manter protegido.
- Ausência de punição efetiva para responsáveis técnicos que atuam de forma inconsequente — assinando projetos sem conhecimento mínimo, preenchendo formulários apenas para cumprir protocolo e aprovando sistemas ineficazes.
Exposição negativa na COP
No Brasil, não existe responsabilização proporcional para quem coloca vidas em risco por negligência técnica.
É lamentável que um evento global como a COP tenha exposto, diante do mundo inteiro, nossas falhas mais básicas.
Mas que este incêndio seja, ao menos, um ponto de virada.
Segurança contra incêndio não é detalhe técnico, não é custo, não é burocracia.
É engenharia, é ciência, é política pública séria — e é proteção da vida.
Enquanto o Brasil insistir em conviver com base normativa obsoleta, legislação fragmentada, manutenção inexistente, falta de investimento nos Bombeiros e ausência total de responsabilização, continuaremos repetindo tragédias anunciadas.
Que este incêndio não seja apenas mais uma manchete. Que seja o início da mudança que o país ignora há décadas.
Autora

Foto: arquivo pessoal
Enga. Débora Arjona Tomé
Rede de Especialistas SCI, Instrutora e Operadora Oficial da National Fire Protection Association – NFPA Brasil
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