Home INC - Caderno Incêndio Saiba mais sobre a convergência entre normas brasileiras e internacionais

Saiba mais sobre a convergência entre normas brasileiras e internacionais

Especialista destaca os desafios e boas práticas na prevenção de incêndios

Por Débora Arjona Tomé

 

Nas últimas décadas, o Brasil vem enfrentando um desafio estrutural na área de segurança contra incêndios: a tentativa de manter uma legislação baseada em paradigmas antigos enquanto a sociedade, a indústria e os próprios materiais evoluíram drasticamente. A crescente complexidade das edificações, a transformação dos processos produtivos e o surgimento de novas tecnologias – como veículos elétricos, baterias de íon-lítio, estruturas modulares e mobiliário com maior combustibilidade – elevaram significativamente a carga de incêndio das ocupações. No entanto, boa parte das normas brasileiras ainda se baseia em critérios elaborados em um cenário onde os materiais possuíam comportamento térmico, inflamabilidade e toxicidade muito diferentes dos atuais.

Esse descompasso é mais do que técnico: é cultural. Há uma resistência histórica à adoção de normas internacionais como referência normativa complementar, especialmente quando se trata da NFPA (National Fire Protection Association), amplamente reconhecida e aplicada em diversos países como base sólida para proteção contra incêndios. Muitos profissionais e entidades públicas ainda veem essas normas como excessivamente rigorosas, complexas ou desnecessárias à realidade brasileira. No entanto, essa percepção está cada vez mais ultrapassada frente à dinâmica dos riscos modernos, que exigem respostas normativas e operacionais em tempo real.

A dificuldade de atualização das normas ABNT e a falta de uma legislação nacional de sistema de prevenção e combate para ser utilizado como base pelos órgãos competentes contribuem para um cenário fragmentado, em que a prevenção muitas vezes depende mais da sensibilidade e formação do projetista do que de uma diretriz nacional clara e atualizada. O resultado é a multiplicação de interpretações, a judicialização de processos técnicos e, infelizmente, tragédias evitáveis.

 

Convergência normativa

Além disso, a proteção passiva no Brasil ainda é tratada como um acessório, e não como um sistema integrado de defesa. É comum, por exemplo, que fachadas verdes sejam instaladas sem qualquer critério técnico de selagem corta-fogo ou análise de propagação vertical de chamas. As juntas de dilatação e penetrações – sejam de instalações elétricas, hidráulicas ou de dados – raramente são tratadas com materiais certificados de vedação. Elementos como ralos, grelhas, caixas de inspeção ou peças sanitárias são inseridos em paredes ou lajes corta-fogo sem o devido tratamento técnico. O mesmo se aplica à ausência de controle sobre os materiais de acabamento, como painéis de madeira, espumas sintéticas em mobiliários, divisórias e revestimentos acústicos ou decorativos que contribuem fortemente para a carga de incêndio.

Outra divergência significativa reside na definição e aplicação dos parâmetros de compartimentação. Enquanto a NFPA estabelece critérios integrados baseados em carga de incêndio, material construtivo, finalidade de uso e desempenho esperado das barreiras, no Brasil ainda há confusão entre os conceitos de área construída, altura da edificação e área máxima por compartimento, muitas vezes dissociado do tipo de material utilizado – como estruturas metálicas, madeira laminada colada ou concreto armado. Isso compromete a lógica de controle do incêndio em sua fase inicial e dificulta o trabalho dos corpos de bombeiros em ações de contenção.

A carência de exigência normativa nacional para sistemas de supressão em áreas críticas, como garagens, é outro fator preocupante. Incêndios recentes envolvendo veículos elétricos, especialmente com baterias de íons de lítio, demonstraram o alto poder destrutivo e a dificuldade de extinção. A ausência de sprinklers, sistemas de detecção precoce por aspiração ou monóxido de carbono e extração eficiente de fumaça tem resultado em perdas estruturais irreversíveis. A NFPA 88A, por exemplo, já traz diretrizes claras para proteção de garagens, incluindo ventilação, controle de calor e detecção de monóxido de carbono.

No âmbito residencial, a NFPA 13-R tem papel fundamental ao estabelecer critérios técnicos simplificados e mais econômicos para aplicação de sprinklers em edifícios multifamiliares. Esta norma viabiliza financeiramente a implementação de sistemas automáticos de supressão em residências, promovendo uma mudança cultural e salvando vidas, como já comprovado em diversas estatísticas nos Estados Unidos.

Frente a esse cenário, a convergência normativa entre Brasil e padrões internacionais não é apenas desejável – é necessária. Estados como São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e Tocantins vêm avançando significativamente ao adotar diretrizes da NFPA como base técnica, inclusive em termos de formação de seus profissionais. Projetos recentes de data centers, hospitais e laboratórios de teste já são elaborados a partir da integração entre normas locais e NFPA 13 (sprinklers), 20 (bombas de incêndio), 72 (detecção), 92 (controle de fumaça) e 855 (baterias de lítio), demonstrando a viabilidade prática e a elevação da confiabilidade dos sistemas instalados.

A experiência demonstra que essa convergência não apenas eleva a segurança dos usuários, mas reduz custos com retrabalhos, judicializações e paralisações de obras. Ela fortalece o diálogo técnico entre engenheiros, arquitetos, bombeiros e investidores, criando uma cultura de prevenção baseada em evidências, não em improvisações.

É hora de superarmos o paradigma de que a segurança contra incêndio é um entrave burocrático. Ela é, na verdade, uma das garantias fundamentais da habitabilidade, continuidade operacional e valorização patrimonial. E, para isso, o Brasil precisa avançar – não apenas na atualização de suas normas, mas na abertura para aquilo que o mundo técnico já consolidou: que prevenir é sempre melhor do que reconstruir.

Foto: arquivo pessoal

Enga. Débora Arjona Tomé

Rede de Especialistas SCI Instrutora e Operadora Oficial da National Fire Protection Association – NFPA Brasil
https://www.linkedin.com/in/debora-arjona/

 

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