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Dados revelam impacto da ART na redução de sinistros

Anotação de Responsabilidade Técnica: saiba mais sobre a relevância da ART na minimização de riscos e sinistros nas atividades da Engenharia

Por Rogério Moreira Lima, Alex Brito e José Lucas Medeiros Guimarães

A Engenharia é a base do desenvolvimento socioeconômico, combinando ciência e tecnologia para criar soluções que impulsionam o progresso. No entanto, sua importância muitas vezes passa despercebida pela sociedade. A infraestrutura das cidades, a produção de alimentos, a geração, transmissão, distribuição e utilização da energia elétrica, as redes de telecomunicações, os sistemas de transporte, os avanços na medicina e a indústria como um todo — todos esses setores dependem diretamente do trabalho dos engenheiros. Atualmente, mais de 300 títulos de engenheiros estão registrados no Sistema Confea/Crea, abrangendo diversas modalidades, como engenharia civil, eletricista, mecânica, metalurgia, química, geologia, minas, agrimensura, além dos grupos profissionais de agronomia e especiais.

Diante dessa ampla atuação, surge uma questão fundamental: o exercício da Engenharia é livre? A resposta é sim, desde que atenda às qualificações que a lei exigir. Assim como ocorre nas profissões de medicina e direito, a Engenharia é regulamentada por lei, exigindo formação acadêmica e registro profissional. Isso garante que apenas pessoas devidamente habilitadas assumam a responsabilidade por projetos, obras e serviços que impactam diretamente a segurança e o bem-estar da população. Vale ressaltar que essa não é uma exclusividade do Brasil. Portugal, por exemplo, regulamenta a profissão por meio da Ordem dos Engenheiros de Portugal (OEP), enquanto nos Estados Unidos existem agências estaduais que emitem licenças, além da associação privada NCEES (National Council of Examiners for Engineering and Surveying), que aplica exames de proficiência para engenheiros e agrimensores.

Em 7 de dezembro de 1977, foi instituída a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) para a prestação de serviços da Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Essa necessidade surgiu quase 48 anos após a regulamentação da Engenharia no Brasil, ocorrida em 11 de dezembro de 1933 com a publicação do Decreto Federal nº 23.569, assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Esse decreto criou o Sistema Confea/Crea, responsável pela fiscalização do exercício profissional da Engenharia.

Entretanto, apenas exigir que o engenheiro esteja registrado no Crea não era suficiente para garantir a segurança da sociedade. Durante os anos 1970, o crescimento acelerado das atividades de Engenharia, impulsionado pela alta do PIB — que alcançou um pico de 13,97% em 1973 — foi acompanhado por um aumento nos acidentes no setor. Em 1970, havia 167 acidentes para cada mil trabalhadores segurados pela Previdência Social. Com esse cenário, ficou evidente a dificuldade em identificar os responsáveis técnicos por obras e serviços de Engenharia e Agronomia envolvidos em sinistros.

A solução veio com a Lei Federal nº 6.496/1977, que tornou obrigatória a ART para todos os serviços da Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Esse documento formaliza a responsabilidade dos engenheiros, garantindo rastreabilidade e transparência. Além disso, ele é também um instrumento de fiscalização ao acobertamento profissional (quando um engenheiro empresta seu nome para obras e serviços nos quais não atua efetivamente, conforme o art. 6º, alínea “c” da Lei 5.194/1966) e à exorbitância de atribuições (quando um profissional executa atividades além da sua formação, conforme o art. 6º, alínea “b” da mesma lei).

A necessidade de controle sobre a responsabilidade técnica é evidenciada por diversos sinistros de grande repercussão. Tragédias como o incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS, 242 mortes), o rompimento das barragens nas cidades mineiras de Mariana (19 mortes) e Brumadinho (252 mortes), o incêndio no CT do Flamengo, no Rio (10 mortes) e o colapso da ponte Juscelino Kubitschek entre Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA), com 14 mortes — os quais, juntos, totalizam 537 vítimas fatais em apenas cinco ocorrências. Esses números demonstram o alto risco que a Engenharia pode representar à coletividade quando ocorre exercício ilegal da profissão ou má conduta profissional.

Além disso, dados da Previdência Social de 2021 indicam que os setores com maior incidência de acidentes de trabalho são o abate de suínos, aves e outros pequenos animais, bem como a construção de edifícios. Já informações da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) mostram que incêndios de origem elétrica têm crescido significativamente, registrando 1.186 ocorrências em um único ano, com 67 vítimas fatais. O número de acidentes por choques elétricos chegou a 1.077, resultando em 759 mortes em 2024, sendo que aproximadamente 69% dessas ocorrências se deram no sistema elétrico de potência (geração, transmissão e distribuição de energia elétrica) e em ambientes residenciais.

Em 2023, o número de sinistros fatais registrados na rede de distribuição elétrica envolvendo trabalhadores de telecomunicações (internet, TV a cabo e telefonia) apresentou um aumento de 525% em relação aos índices de 2015, revelando um quadro crítico de insegurança no setor. No entanto, em 2024, esse percentual já caiu para 200% em comparação com 2015, representando uma queda abrupta no número de mortes.

Essa redução expressiva pode estar diretamente relacionada ao fortalecimento das ações de fiscalização sobre a atuação dos provedores de internet e demais empresas de telecomunicações, conduzidas pelo sistema Confea/Crea. Nesse contexto, destaca-se a aprovação da Fiscalização Nacional dos Provedores de Internet, estabelecida por meio da Decisão Plenária nº 1744/2021 do Confea, que intensificou a exigência de ARTs e o combate ao exercício ilegal da profissão nos serviços executados junto às redes de telecomunicações.

Embora a ART seja um mecanismo fundamental para garantir a segurança da Engenharia, outros fatores também impactam a ocorrência de sinistros. Um deles é a qualidade da formação dos engenheiros. A flexibilização das Diretrizes Curriculares Nacionais da Engenharia teve início com a Resolução 11/2002 do MEC/CNE/CES, que tornou facultativa a inclusão de conteúdos técnicos no núcleo profissional dos cursos. Esse processo se aprofundou com a Resolução 2/2019, que ampliou ainda mais a autonomia das instituições de ensino superior na definição das grades curriculares, instituindo obrigatoriedade apenas para os conteúdos básicos.

O impacto dessa flexibilização pode ser observado nos índices de acidentes. Enquanto a implementação da ART contribuiu para uma redução significativa no número de sinistros — de 167 por mil trabalhadores em 1970 para 78 por mil em 1980, 36 por mil em 1990 e 16 por mil em 1994 —, os dados mais recentes mostram um retrocesso preocupante. Em 2021, foram registrados 352.099 acidentes de trabalho no Brasil, com uma taxa de 15,1 ocorrências por mil empregados.

Esse aumento sugere que, além da fiscalização profissional pelo Sistema Confea/Crea, é essencial que o Ministério da Educação mantenha um rigoroso controle sobre a qualidade dos cursos de Engenharia. Afinal, a Engenharia é uma profissão que pode colocar em risco a coletividade quando ocorre exercício ilegal ou má conduta profissional.

A ART desempenha um papel crucial na minimização de riscos e sinistros na Engenharia, garantindo a rastreabilidade das responsabilidades técnicas e protegendo a sociedade contra práticas ilegais e condutas inadequadas. Os dados mostram que sua implementação foi determinante para a redução de acidentes ao longo das décadas. No entanto, a recente flexibilização da formação acadêmica e a alta incidência de acidentes em setores estratégicos, como telecomunicações e construção civil, evidenciam a necessidade de reforçar tanto a fiscalização do exercício profissional quanto o controle sobre a qualidade do ensino de Engenharia.

A Engenharia não é apenas uma ciência aplicada. É um compromisso com a inovação, a segurança, a eficiência e o progresso. Para garantir um futuro sustentável e tecnologicamente avançado, é essencial que os profissionais estejam devidamente capacitados e que os mecanismos de controle, como a ART, sejam rigorosamente aplicados. Afinal, quando falhas ocorrem, as consequências podem ser fatais.

Referências Bibliográficas

[1]PIB do Brasil: histórico e evolução em gráficos, disponível em https://infograficos.gazetadopovo.com.br/economia/pib-do-brasil/

[2] Tendências na incidência e mortalidade por acidentes de trabalho no Brasil, 1998 a 2008, disponível em https://www.scielo.br/j/csp/a/kxTQ93mdCXpStcGx5tSMSDQ/?lang=pt

[3]Incêndio no Edifício Joelma, disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_no_Edif%C3%ADcio_Joelma?utm_source=chatgpt.com

[4] Incêndio no Edifício Andraus, disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_no_Edif%C3%ADcio_Andraus?utm_source=chatgpt.com

[5] Queda do Paulo de Frontin, disponível em https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/queda-do-paulo-de-frontin/noticia/queda-do-paulo-de-frontin.ghtml?utm_source=chatgpt.com

[6] Entrevista do engenheiro Jófilo Moreira Lima, disponível em https://protecao.com.br/multimidia/personagem-de-protecao-entrevista-o-engenheiro-jofilo-moreira-lima/

[7] Wikipedia: Arnaldo da Costa Prieto, disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Arnaldo_da_Costa_Prieto

[8] Jorge Duprat Figueiredo, disponível em https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/resgate-historico/personalidades-1/jorge-duprat-figueiredo-1

[9] Morre ex-ministro do Trabalho Arnaldo Prieto, disponível em https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/noticias/noticias/2012/7/morre-ex-ministro-do-trabalho-arnaldo-prieto

[10] Resolução CONFEA nº 1090/2017

[11] Resolução CONFEA nº 1134/2021

[12] Tabela de Títulos Profissionais aprovada pela Resolução CONFEA nº 473/2022-Última Atualização: 21/01/2025

[13] Wünsch Filho, V. Reestruturação produtiva e acidentes de trabalho no Brasil: estrutura e tendências, Cad. Saúde Pública 15 (1) • Jan 1999)

[14] Acidentes de Trabalho caem 25,6% no Brasil em 10 anos, disponível em https://www.gov.br/previdencia/pt-br/noticias-e-conteudos/2023/maio/acidentes-de-trabalho-caem-25-6-no-brasil-em-10-anos#:~:text=Em%202021%2C%20foram%20352.099%20acidentes,2019)%2C%20ambos%20registram%20queda

[15] Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica 2025 ano base 2024.

[16] Ordem dos Engenheiros de Portugal (OEP), disponível em https://www.ordemdosengenheiros.pt/pt/

[17] National Council of Examiners for Engineering and Surveying (NCEES), disponível em https://ncees.org/

[18] Vídeo mostra implosão da estrutura que sobrou de ponte que desabou entre o Tocantins e o Maranhão, disponível em https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2025/02/02/implosao-derruba-estrutura-que-sobrou-de-ponte-que-desabou-entre-o-tocantins-e-o-maranhao.ghtml

[19] RBS TV. Tragédia da boate Kiss completa 8 anos: ‘Todo janeiro passa um filme na cabeça’, diz sobrevivente. G1 Rio Grande do Sul, 27/01/2021, disponível em https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/01/27/tragedia-da-boate-kiss-completa-8-anos-todo-janeiro-passa-um-filme-na-cabeca-diz-sobrevivente.ghtml

[21] Costa, Gilberto. Negligência causou a tragédia de Brumadinho, diz escritor. Agência Brasil, 09/11/2019, disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-11/negligencia-causou-tragedia-de-brumadinho-diz-escritor

[22] Lucchese, Bette. Incêndio no CT do Flamengo começou no ar-condicionado e se alastrou devido a material do contêiner, aponta laudo. G1 Rio de Janeiro, 08/05/202019 , disponível em  https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/08/incendio-no-ct-do-flamengo-comecou-em-curto-no-ar-condicionado-e-se-alastrou-devido-a-material-do-conteiner-aponta-laudo.ghtml

[23] Parecer CNE/CES nº 1.362/2001, aprovado em 12 de dezembro de 2001 – Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Engenharia.

[24] Resolução CNE/CES nº 11, de 11 de março de 2002 – Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia.

[25] Resolução CNE/CES nº 2, de 24 de abril de 2019 – Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia.

[26] Resolução CNE/CES nº 1, de 26 de março de 2021 – Altera o Art. 9°, § 1º da Resolução CNE/CES 2/2019 e o Art. 6°, § 1º da Resolução CNE/CES 2/2010, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo.

 

Foto: arquivo do autor

Rogério Moreira Lima

Coordenador da CAPA do CREA-MA, diretor da ABTELECOM, membro cadeira 54 da AMC, 1º Secretário da ABEE-MA, e professor do Departamento de Engenharia de Computação da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

 

 

 

 

Foto: arquivo do autor

Alex Brito

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

 

 

 

 

 

Foto: arquivo do autor

José Lucas Medeiros Guimarães

Advogado, discente do Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

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