O Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado anualmente no dia 10 de outubro, transcende a conscientização e se estabelece como um chamado urgente à ação, especialmente no ambiente de trabalho. Com transtornos mentais, como depressão e ansiedade, liderando as causas de afastamentos no Brasil e custando trilhões à economia global, a discussão sobre o bem-estar psicológico corporativo migrou da pauta de RH para a estratégia de negócios.

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A urgência do tema é inegável. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 1 em cada 8 pessoas convive com um transtorno mental. Apesar da alta prevalência, o estigma e a desinformação histórica persistem, atrasando o diagnóstico e o tratamento, e agravando os quadros clínicos.
A dra. Rafaela Silva, psiquiatra e gerente médica da Lundbeck Brasil, ressalta a gravidade desse preconceito: “As doenças psiquiátricas são erroneamente associadas à fraqueza, ao mau caráter ou à falta de força de vontade, quando, na verdade, são condições médicas que exigem cuidado especializado. Não é exagero observar cenários nos quais o estigma pode ser tão prejudicial quanto a própria condição clínica”, avalia.
No Brasil, o impacto da negligência é tangível: o Painel Estatístico da Previdência Social registrou 288.865 benefícios por incapacidade relacionados a transtornos mentais em 2023, uma alta de 38% em relação ao ano anterior. Em 2024, esse número chegou a 472 mil afastamentos, o maior da última década, confirmando a crise como o “principal gargalo oculto da produtividade nas organizações brasileiras”, conforme alerta Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude.
A OMS calcula que depressão e ansiedade geram perdas de cerca de US$ 1 trilhão por ano à economia global. No entanto, especialistas destacam que cuidar da saúde mental não é custo, mas sim investimento.
Um relatório da OMS e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2022 indica um retorno substancial: “A cada R$ 1,00 investido em saúde, as empresas retornam aproximadamente R$ 4,00 em forma de resultados e ganho produtivo”, afirma Hudson Cunha, especialista em Recursos Humanos, diversidade e aconselhamento de carreira.

Rodrigo Araújo, CEO da Global Work (Foto: arquivo pessoal)
Rodrigo Araújo, CEO da Global Work, reforça que a gestão integrada da saúde gera retorno financeiro mensurável: “Quando a empresa olha para a saúde do colaborador de forma integrada, ela não apenas reduz o absenteísmo e os afastamentos, mas consegue multiplicar de três a dez vezes o retorno sobre cada valor aplicado”, informa.
Os desafios da saúde mental no trabalho
Apesar da clareza dos dados, o ambiente corporativo ainda demonstra imaturidade na gestão da saúde mental. Um levantamento do Zenklub, uma empresa Conexa, que ouviu cerca de 800 companhias, revelou lacunas significativas:
Liderança despreparada: 4 em cada 10 líderes não possuem preparo para lidar com riscos psicossociais.
Assédio e Segurança Psicológica: Uma em cada três empresas não aplica qualquer política contra assédio, e apenas 37,1% relataram possuir uma política formal de prevenção contra impertinências.
Rui Brandão, cofundador do Zenklub e vice-presidente de Saúde Mental da Conexa, avalia: “Embora muitas empresas já contem com estruturas formais de liderança, ainda existe uma oportunidade importante de fortalecer o preparo humano dos gestores.” Ele complementa que a ausência de políticas e canais de denúncia eficazes “expõe profissionais a situações de risco, impactando diretamente sua qualidade de vida e produtividade no trabalho”.

Rui Brandão, cofundador do Zenklub e vice-presidente de Saúde Mental da Conexa (Foto: arquivo pessoal)
Outro grande desafio é o tabu que envolve o tema, que se manifesta até nos processos seletivos. Uma pesquisa do Infojobs revelou que apenas 21% dos candidatos já abordaram o tema em entrevistas, com 15% admitindo ter evitado o assunto por receio de prejudicar suas chances de contratação.
Ana Paula Prado, CEO da Redarbor Brasil, detentora do Infojobs, explica a origem desse silêncio: “O histórico de muitas empresas pouco abertas ao diálogo, suporte e acolhimento em saúde mental reverbera até hoje nas entrevistas. Muitos profissionais têm medo de serem vistos como menos produtivos ou frágeis para a vaga”.
Soluções e estratégias: da prevenção à Medicina de Precisão
Para reverter o quadro, a solução passa por uma visão integrada, que combina intervenções organizacionais com acesso a cuidados clínicos de qualidade e o uso da tecnologia como aliada.
- Fortalecimento da Liderança e Cultura Organizacional
O papel do líder é fundamental na criação de um ambiente de trabalho saudável.
As empresas precisam capacitar continuamente a liderança em gestão de pessoas e comunicação empática para que sejam aliadas na promoção da saúde emocional.
Para isso, criar um ambiente onde o diálogo sobre o bem-estar mental seja encorajado, e não punido. Ana Paula Prado pontua que, ao construir um ambiente seguro para esse diálogo, a empresa “se diferencia e atrai talentos.”
A correta definição de escopo e rotinas formalizadas, conforme a NR-1, é aliada poderosa na prevenção do estresse ocupacional, segundo Rui Brandão, da Conexa.
- Adoção de Programas Integrados e Inovadores
O investimento em prevenção e abordagens personalizadas garante a sustentabilidade dos negócios. A Global Work, por exemplo, desenvolveu um núcleo focado em monitoramento de absenteísmo, acompanhamento psicológico e reabilitação, mostrando que a integração de cuidados é um caminho eficaz.

Dr. Guido Boabaid, médico psiquiatra e CEO da GnTech (Foto: arquivo pessoal)
O Dr. Guido Boabaid, médico psiquiatra e CEO da GnTech, destaca a importância da personalização: “A utilização de testes farmacogenéticos nos tratamentos farmacológicos reduz tentativas e erros e aumenta a eficiência dos cuidados, diminuindo os efeitos colaterais e os índices de absenteísmo e presenteísmo”. Ele reforça que políticas de carga horária saudável, programas de prevenção e líderes capacitados contribuem para equipes mais motivadas e resilientes.
- Responsabilidade Compartilhada e Legislação
A democratização do cuidado com a saúde mental exige a união de esforços de empresas, governo, escolas e especialistas, conforme defende Hudson Cunha.
A entrada em vigor da nova redação da Norma Regulamentadora Nº 1 (NR-1) em maio de 2026, que trata a saúde mental com a mesma relevância de outros riscos ocupacionais, e a NR-5 (CIPA), que obriga o combate ao assédio, colocam o tema como compliance regulatório.
A Lei do Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental, embora aguarde regulamentação, a lei cria um selo para reconhecer empresas que implementam políticas de bem-estar psicológico. Michele Alves, gerente executiva da SDB – Saúde Digital Brasil, vê a lei como um motor de mudança: “A lei coloca a saúde mental como prioridade nacional e abre um espaço inédito para que as empresas façam parte da solução”, diz.

Michele Alves, gerente executiva da SDB – Saúde Digital Brasil (Foto: arquivo pessoal)
Juliana Camargo, diretora de Gente & Cultura da Funcional, destaca o papel do RH em transformar o tema em compromisso contínuo: “Isso significa adotar ferramentas de análise de dados para atuar de forma preditiva, além de fortalecer a cultura de cuidado contínuo e garantir que lideranças estejam capacitadas”, aponta.
Casos de sucesso e o ponto de virada
O investimento em saúde mental se traduz em ambientes mais engajados e competitivos. O especialista em LGPD e liderança, Edgard Dolata, que superou uma depressão profunda, compartilha seu caso como exemplo de transformação: “O sofrimento emocional, quando reconhecido e tratado, pode ser o gatilho de uma transformação profunda”. Ele conclui que o equilíbrio emocional não é incompatível com resultados: “A saúde mental deixa de ser tabu e passa a ser estratégia”, salienta.

Edgard Dolata, especialista em LGPD e liderança (Foto: arquivo pessoal)
O CEO da Global Work, Rodrigo Araújo, resume a nova métrica de competitividade: “Não se trata apenas de cumprir obrigações legais, mas de garantir sustentabilidade aos negócios. Empresas que cuidam da saúde mental de seus times eliminam tabus, constroem engajamento, reduzem custos invisíveis e fortalecem a produtividade. Essa é a verdadeira métrica de competitividade no mercado atual”, observa.
Em um mundo do trabalho cada vez mais complexo, a saúde corporativa deixa de ser um benefício e se torna, como afirma o Dr. Guido Boabaid, um “diferencial estratégico, capaz de gerar resultados sustentáveis e preparar a empresa para os desafios do futuro”.
O futuro será de quem entende que, no ambiente laboral, cuidar da mente é o mesmo que cuidar da própria empresa.
Vittude anuncia ganhadores da 3ª edição do Prêmio de Saúde Mental Corporativa

Vencedores da 3ª edição do Prêmio de Saúde Mental Corporativa (Foto: Vittude/divulgação)
A Vittude, referência no desenvolvimento e na gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas, realizou no dia 08 de outubro a 3ª edição do Vittude Awards, premiação criada para homenagear e dar visibilidade a pessoas e organizações que estejam inovando em projetos de saúde mental corporativos. A cerimônia foi realizada em um jantar de celebração em São Paulo, que também teve transmissão ao vivo, e premiou companhias como Suzano SA, iFood, Grupo OLX e Siemens Brasil.
“O Vittude Awards, mais do que uma premiação, é também um movimento que reconhece e inspira o mercado a cuidar daquilo que se tornou essencial, a saúde mental nas organizações. Mais do que um tema importante, ela é hoje um pilar estratégico para o futuro dos negócios e das pessoas. As empresas e profissionais que compartilharam suas histórias nesta edição já estão um passo à frente, mostrando que o cuidado precisa ser vivido na prática, com consistência e propósito. O prêmio existe para ampliar essa visão, dar visibilidade a quem está liderando essa transformação e reforçar uma mensagem que não pode mais ser ignorada: não existe futuro sem saúde mental. Ela é inegociável”, destaca Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.
Neste ano, o Grupo Boticário e a TOTVS se uniram ao Vittude Awards como patrocinadores da iniciativa. Ambas acreditam que a saúde mental é um pilar estratégico e, quando colocada em prática com propósito e consistência, tem o poder de transformar vidas, fortalecer culturas e impulsionar organizações.
A seguir, os vencedores das categorias:
- Embaixador de Saúde Mental: Catarina Alves (Arcos Dourados)
- Melhor Gestor de HSE: Alexander Buarque (Abbott Laboratórios do Brasil)
- Gestor de RH do Ano: Raphael Bozza (iFood)
- Melhor Projeto de Saúde Mental: Grupo OLX
- Empresa Revelação – Enterprises: iFood
- Empresa Revelação – Grandes Empresas: Siemens Brasil
- Empresa Revelação – Médias Empresas: Vivest
- Empresa Referência – Enterprises: SUZANO S/A
- Empresa Referência – Grandes Empresas: FAPES
- Empresa Referência – Médias Empresas: Grupo Cornélio Brennand
“Para nós é uma honra receber esse tipo de reconhecimento. É o reforço de que estamos no caminho certo. Como empresa com foco no bem-estar e no bem-viver, é mais do que um programa, é a nossa razão de existir colocar foco na saúde mental de nossos colaboradores, assim como cuidamos dos nossos participantes e beneficiários”, compartilha Walter Mendes, Presidente da Vivest.
“Este reconhecimento comprova que investir em saúde mental e bem-estar é investir em pessoas e no futuro da organização. O OLX FLOW nos permite olhar para cada colaborador de forma integral, considerando a saúde física, mental, social e financeira como pilares essenciais para a alta performance e o equilíbrio. Aprendemos a respeitar os limites individuais, incentivar práticas de autocuidado e criar um ambiente seguro. Isso fortalece vínculos, aumenta o engajamento e gera resultados concretos, comprovando que liderar com empatia e proximidade é também uma estratégia de sucesso para toda a organização”, comenta Quelma Oliveira, Gerente de Serviços de RH do Grupo OLX.
Além disso, também foi anunciada a data da 7ª edição do Vittude Summit. O maior evento de saúde mental corporativa do Brasil acontecerá nos dias 25 e 26 de março de 2026 no Transamérica Expo Center, em São Paulo, e é uma oportunidade única de conectar os maiores especialistas do mercado com trocas de alto nível sobre as boas práticas de saúde mental e bem-estar das maiores empresas do país.
Bracol implementa atendimento psicológico para colaboradores e já tem lista de espera
A Bracol, indústria referência no segmento de calçados de segurança e EPIs, implementou em março deste ano um serviço gratuito de atendimento psicológico para os colaboradores da unidade de Lins (SP). Desde então, 50 pessoas já foram atendidas, em uma média de 30 sessões semanais, e a procura é tão grande que a empresa já registra uma lista de espera de 41 colaboradores.

Atendimento psicológico em Lins, SP. (Foto: Bracol/divulgação)
O atendimento é presencial, ocorre em salas específicas dentro da empresa, durante a jornada de trabalho, e tem duração de 50 minutos por sessão. A triagem inicial é realizada após solicitação junto à equipe de RH, que organiza a fila de espera e agenda com os psicólogos. A procura envolve questões relacionadas às relações pessoais e problemas de saúde e ambiente de trabalho.

Thiago Honório, gerente de Recursos Humanos da Bracol (Foto: Bracol/divulgação)
“Cuidar da saúde mental dos colaboradores é parte de nossa responsabilidade. Quando a empresa oferece espaço de escuta e acompanhamento profissional, ela reconhece que por trás de cada função existe uma pessoa com desafios reais. Esse é um passo importante para que nossos times se sintam acolhidos, produtivos e em condições de crescer em suas jornadas pessoais e profissionais”, afirma Thiago Honório, gerente de Recursos Humanos da Bracol.
Segundo Jaqueline Leite Martelo, enfermeira e técnica em Enfermagem do Trabalho da unidade em Lins-SP, o projeto surgiu após a percepção de um aumento de sintomas psicológicos e psicossomáticos entre os colaboradores. “Antes da formalização, já fazíamos ações pontuais em parceria com instituições de ensino. O programa veio para estruturar esse cuidado e dar continuidade ao acompanhamento”, explica.
Investir na saúde mental auxilia na melhora da qualidade de vida, fortalece os relacionamentos e previne problemas mais graves. Esse cuidado se reflete diretamente no clima organizacional e na produtividade. Além do acompanhamento contínuo, a unidade de Lins, que conta com 1500 colaboradores, também oferece contenção emergencial em crises, como ataques de pânico, com acolhimento imediato pela equipe de enfermagem e psicólogos. O sucesso do projeto já estimulou a expansão para outras unidades da indústria em Castanhal-PA os atendimentos começaram neste ano e, em Eldorado-MS, a iniciativa está em estudo. Entre as próximas ações previstas, está a criação de um canal de ouvidoria 24 horas com equipe especializada em atendimento psicológico.

O serviço de atendimento psicológico para os colaboradores é gratuito (Foto: Bracol/divulgação)
A Bracol também integra ao programa campanhas de prevenção a abusos e violência doméstica, com palestras, rodas de conversa, parcerias com a Casa da Mulher e o CRAS, além da divulgação de materiais educativos.