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Análise técnica expõe riscos ignorados em microempresas brasileiras

Qualidade das condições de trabalho: gerenciamento de Riscos Ocupacionais em oficina de funilaria e pintura destaca necessidade de ações preventivas e corretivas para reduzir acidentes

Por Jandir Pereira Blasius, Fernanda Pasini dos Santos, Gleicy Helly Martins Cavalcante, Pedro Daniel da Cunha Kemerich

Em 2023, o Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) registrou 732.751 acidentes, dos quais 651.476 (88,9%) registraram Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Desses, 483.291 (74,2%) foram acidentes típicos, 153.011 (23,5%) ocorreram durante o trajeto residência-trabalho, e 81.275 (12,5%) foram causados por doenças ocupacionais.

Diante do alto número de acidentes de trabalho, garantir condições adequadas de segurança e saúde é um grande desafio para empregadores e órgãos governamentais. Portanto, é fundamental eliminar ou neutralizar os agentes de riscos, implementar Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC), adotar medidas administrativas e organizacionais, e, por último, utilizar os Equipamento de Proteção Individuais (EPIs).

Em uma oficina de funilaria e pintura, os riscos ocupacionais, se não devidamente controlados, podem afetar negativamente o desempenho dos trabalhadores, prejudicar sua saúde física, mental e psicossocial, e comprometer a qualidade da produção.

Considerando a relevância do tema, este trabalho realizou um estudo de caso em uma oficina de pintura e funilaria, localizada na região central do Rio Grande do Sul. Foram levantados os perigos, avaliados os riscos e investigados os acidentes de trabalho. Os resultados foram analisados com base nas Normas Regulamentadoras (NRs) e demais legislações aplicáveis.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi desenvolvido conforme as diretrizes da NR-1 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) e constitui uma releitura sintética do estudo de Blasius et al. (2024). A identificação das fontes de perigo e circunstâncias no ambiente de trabalho foi feita por meio do levantamento das atividades, condições de trabalho e equipamentos utilizados na empresa, utilizando questionários, visitas in loco e registros fotográficos.

Para determinar o nível de risco de cada perigo identificado, foi calculado o produto entre a severidade das possíveis lesões e a probabilidade de ocorrência, com base nas tabelas recomendadas pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Os riscos foram categorizados como: Trivial, Tolerável, Moderado, Substancial e Intolerável.

Para avaliar a qualidade do trabalho da oficina, foi calculado o Indicador de Qualidade das Condições de Trabalho (IQCT). No cálculo do índice, foram considerados apenas os níveis de risco Tolerável (B), Moderado (M) e Substancial (A), excluindo os riscos Triviais e Intoleráveis, que demandam ação imediata. O cálculo foi realizado conforme a Equação 1, e o resultado varia de 25 (todos os riscos altos) a 100 (todos os riscos baixos).

IQCT = {(4𝑛𝐵 + 3𝑛𝑀 + 𝑛𝐴) / [(𝑛𝐵 + 𝑛𝑀 + 𝑛𝐴) . 4]} .100                      Eq. (1)

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização da empresa e do local de trabalho

A empresa, que possui quadro com sete funcionários, foi classificada como microempresa. A idade dos funcionários varia de 20 a 75 anos, e o tempo de trabalho na empresa vai de 6 a 52 anos. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), 96% das empresas de pequeno porte não atendem adequadamente às condições de saúde e segurança no trabalho (Antoniazzi et al., 2009).

O expediente de trabalho é de segunda a sexta-feira, das 08h00min às 12h00min no período matutino e das 13h30min às 18h00min no vespertino, com expediente também no período matutino aos sábados. Devido à demanda, são realizadas até seis horas extras por semana por trabalhador. Diariamente, são realizadas duas pausas de 20 minutos para alimentação.

As atividades são realizadas em ambiente interno e externo. O ambiente interno apresenta estrutura de alvenaria, piso de concreto, iluminação natural por portas e janelas, e iluminação artificial por lâmpadas, além de ventilação natural por portas e janelas e artificial, por ventiladores.

Dentre os EPCs existentes, destacam-se extintores de incêndio e piso antiderrapante. Foi recomendada a instalação de sinalização de segurança e emergência e a implementação de um sistema de exaustão para remover gases, vapores e fumos metálicos (processo de soldagem) do ambiente de trabalho.

Já em relação aos EPIs, a empresa fornece proteção completa, que inclui proteção: contra quedas (cinto de segurança para trabalhos em altura), respiratória (máscaras para soldador, pintura e filtro purificador de ar – PFF2), ocular (óculos de segurança, óculos para soldador e viseira para lixamento e polimento), auditiva (protetores auriculares), das mãos (luvas de raspa, de malha e nitrílica), dos pés (botas de segurança) e do corpo (avental impermeável contra produtos químicos e tintas e contra agentes abrasivos e escoriantes).

O estudo revelou que 28,6% dos colaboradores com mais de 10 anos de empresa apresentam algum grau de perda auditiva, devido à exposição prolongada a elevados níveis de ruído. Embora todos os entrevistados reconheçam a importância dos EPIs para a prevenção de danos auditivos, apenas 28,6% os utilizam regularmente. Essa discrepância entre o conhecimento e o uso efetivo dos EPIs, destaca a necessidade de ações mais eficazes de conscientização e incentivo ao uso regular destes dispositivos de segurança.

O processo de trabalho inclui as seguintes etapas: aquisição das chapas de alumínio e alumínio-zinco, descarregamento manual do material, estocagem das chapas dentro da empresa (no teto, escoradas nas paredes e armazenadas no depósito), corte e dobragem das chapas, soldagem, lixamento e pintura. Essas etapas são adaptadas conforme a ordem de serviço seja para fabricação ou restauração dos produtos.

Os principais equipamentos utilizados no processo incluem a máquina corta-ferro, mesa de torno, furadeira, aparelho de solda, lixadeira, dobradeira de chapa, frisadeira, guilhotina manual e esmeril. No entanto, a inspeção dos equipamentos revelou um elevado grau de obsolescência. Esse cenário compromete a eficiência operacional e aumenta a probabilidade de falhas e paradas não programadas.

Os equipamentos com maior índice de acidentes são a máquina de corte de barras de ferro e o esmeril. Embora o esmeril não seja considerado de alto risco, sua falta de proteção e a desatenção dos trabalhadores têm causado ferimentos nas mãos e punhos, resultando em afastamentos. Esses acidentes estão entre as principais causas de afastamento do trabalho, conforme a CID 10, incluindo ferimentos, fraturas e traumatismos do punho e da mão (AEAT, 2018). Para reduzir esse risco, recomenda-se a instalação de proteção no esmeril e o uso de luvas de couro durante a operação.

 Levantamento de perigos e avaliação dos riscos ocupacionais

 Foram identificadas 20 fontes de perigo, classificadas nas seguintes categorias de riscos: biológico (1), físico (3), químico (2), ergonômico (6) e de acidentes (8).

Com relação aos níveis de risco classificados como intoleráveis foram destacados os níveis de ruídos e máquinas sem proteção como as principais fontes de perigos, que exigem intervenção imediata para adequação.

Foi identificado um risco biológico devido ao acúmulo de água em calhas, o que favorece a proliferação de mosquitos transmissores de doenças graves. A probabilidade de exposição foi classificada como “possível” e as consequências podem ser severas, incluindo óbito, sendo o risco classificado como substancial. Para mitigar esse risco, é essencial o uso contínuo de repelente e a implementação de ações de controle dos mosquitos.

Os riscos físicos identificados no ambiente de trabalho incluem a exposição a ruídos elevados, temperaturas extremas e radiação solar ultravioleta.

A exposição a níveis elevados de ruído representa um risco significativo para a saúde auditiva dos trabalhadores, sendo classificado como intolerável. Sem o uso de proteção auditiva, o tempo de exposição a equipamentos como a furadeira, esmeril, aparelho de solda, máquina corta-ferro e lixadeira excede os limites estabelecidos pela NR-15 (Atividades e Operações Insalubres). A furadeira e o esmeril, que geraram ruídos de 109 e 106 dB(A), respectivamente. A empresa, com histórico de doenças auditivas, deve adotar medidas imediatas, como o uso obrigatório de protetores auriculares, manutenção dos equipamentos e um programa de conservação auditiva e sensibilização dos trabalhadores.

Em relação às condições térmicas, os trabalhadores que atuam em ambientes com temperaturas extremas (altas ou baixas) estão expostos a riscos como queimaduras, hipotermia e desconforto térmico. Para mitigar esses riscos, é recomendado o fornecimento de roupas adequadas para proteção térmica e o controle das condições climáticas no ambiente de trabalho. Além disso, a exposição à radiação solar ultravioleta (UV), comum em ambientes de trabalho ao ar livre, pode resultar em danos à pele, como queimaduras, manchas e até câncer de pele, além de catarata. Esse risco também foi classificado como tolerável, sendo importante adotar medidas de proteção, como o uso de protetor solar, fornecimento de equipamentos de proteção UV e pausas regulares para minimizar a exposição direta ao sol. Assim, tanto as condições térmicas quanto a exposição solar exigem cuidados específicos para garantir a saúde e segurança dos trabalhadores em ambientes de risco.

Os riscos químicos incluem a exposição a vapores e fumos de soldagem, além de hidrocarbonetos aromáticos em tintas e solventes, que podem causar problemas respiratórios, irritações e danos cardiovasculares, neurológicos e câncer. O risco associado a esses agentes foi classificado como moderado, devido à ausência de cabine de pintura e sistema de exaustão adequados.

Os principais riscos ergonômicos identificados foram esforço físico intenso, levantamento e transporte manual de peso, jornada de trabalho prolongada, estresse físico e psíquico, posturas inadequadas e trabalho em pé. De acordo com a NR-17 (Ergonomia), o levantamento manual de cargas não deve comprometer a saúde, e a CLT estabelece um limite de 60 kg para o transporte manual de carga. Contudo, alguns trabalhadores levantam pesos acima do recomendado, aumentando o risco de lesões.

Os riscos relacionados ao esforço físico intenso, levantamento de peso e trabalho em pé foram classificados como toleráveis, com medidas de controle recomendadas como rotação de tarefas, pausas regulares e uso de equipamentos ergonômicos. Já os riscos de estresse físico e psíquico e posturas inadequadas foram classificados como moderados, sendo indicados programas de bem-estar e suportes ergonômicos para correção postural. A análise revela que os riscos exigem abordagens diferenciadas para controle e mitigação, com foco na saúde dos trabalhadores.

Os principais riscos de acidentes identificados na oficina de funilaria e pintura incluem armazenamento inadequado (Figura 1), riscos elétricos e de quedas, máquinas sem proteção e acidentes de trânsito A falta de organização no ambiente e o acúmulo de materiais aumentam a probabilidade de lesões como quedas e cortes. A presença de materiais no teto e nas paredes pode causar quedas de objetos sobre os trabalhadores. Além disso, a obstrução de equipamentos de combate a incêndio, como extintores, e o armazenamento inadequado de EPIs comprometem a segurança.

Figura 1 – Riscos de acidentes relacionados com a obstrução dos equipamentos: a) Torno; b) Máquina corta-ferro; c) Depósito de materiais no teto e paredes; d) Estocagem de material na parede.

 

 

 

 

Os riscos de acidentes associado ao arranjo físico inadequado foi classificado como moderado, enquanto os relacionados com instalações elétricas precárias, quedas, armazenamento inadequado e acidentes de trânsito foram classificados como substanciais, devido ao alto potencial de danos. Medidas corretivas incluem a organização do ambiente de trabalho, melhoria na sinalização de riscos, instalação de sistemas de exaustão adequados e treinamento contínuo dos trabalhadores sobre segurança e uso de EPIs.

Indicador de Qualidade das Condições de Trabalho – (IQCT)

O cálculo do IQCT resultou em um índice de 71 de 100 pontos. Esse valor sinaliza a presença de riscos significativos à saúde e segurança dos trabalhadores, embora algumas medidas de controle já tenham sido implementadas. O resultado sugere a necessidade de melhorias, como controles adicionais, treinamentos e revisões de procedimentos, para reduzir os riscos e aumentar a segurança no ambiente de trabalho.

CONCLUSÕES

O gerenciamento de riscos ocupacionais na oficina de funilaria e pintura analisada destaca a necessidade urgente de um planejamento mais eficaz para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores. A exposição a elevados níveis de ruído e os riscos de acidentes decorrentes da falta de proteção das máquinas exigem a implementação de ações corretivas imediatas. Além disso, a falta de organização do ambiente de trabalho foi destacada como um fator crítico para a ocorrência de acidentes. O IQCT revelou a presença de riscos moderados e substanciais, apontando para a necessidade de uma revisão nas práticas de segurança e a adoção de melhorias substanciais na gestão de riscos.

É evidente que as condições de trabalho atuais não atendem de maneira satisfatória aos requisitos de segurança, colocando os colaboradores em situações vulneráveis. Para mitigar esses riscos, é fundamental a implementação de medidas preventivas que envolvem desde a atualização e adequação das máquinas, até a reorganização do ambiente de trabalho. Essas ações devem ser acompanhadas por treinamentos contínuos para garantir que os trabalhadores estejam adequadamente informados e comprometidos com as práticas de segurança, além de assegurar o uso regular EPIs.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AEAT – Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho – 2018. Ministério da Fazenda; Secretaria de Previdência Instituto Nacional do Seguro Social; Ministério do Trabalho e Emprego; Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social, v.1, Brasília: MF, 2018. 1287 p.

ANTONIAZZI, C. T. D.; SIMON, M.; LOPES. M. I.; KEMERICH, P. D. Da C. Riscos à segurança do trabalhador em cooperativa agrícola. Disciplinem. Scientia. Série: Ciências Naturais e Tecnológicas, S. Maria, v. 10, n. 1, p. 93-103, 2009.

BLASIUS, Jandir Pereira et al. Avaliação das condições de saúde e segurança do trabalho em oficina de funilaria e pintura. PEGADA – A Revista da Geografia do Trabalho, v. 25, n. 1, p. 471-500, 2024.

 

Foto: arquivo do autor

Jandir Pereira Blasius

Engenheiro Ambiental e Sanitarista pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA – 2017). Engenheiro de Segurança do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAM- 2018). Especialista em Saúde e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal de Goiás (UFG – 2020). Doutor e mestre em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – 2023/2019). Licenciado em Matemática pela UNINTER (2024). Atua como engenheiro de segurança do trabalho na Prefeitura do Município de Leme, SP, e como consultor Ambiental/Responsável Técnico na Empresa Dunas Geologia, no Paraná.

jandir.blasius@unesp.br

 

Foto: arquivo da autora

Fernanda Pasini dos Santos  

Engenheira Ambiental e Sanitarista pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA – 2017). Mestra em Engenharia com ênfase em Tecnologia de Materiais pela UNIPAMPA (2019). Licenciada em Matemática e especialista em Neuroeducação: como ensinar da forma que o cérebro aprende. Atua como professora efetiva na rede municipal de Camboriú e de Itapema, SC.

n.pasini@hotmail.com

 

Foto: arquivo da autora

Gleicy Helly Martins Cavalcante

Engenheira Ambiental e Sanitarista pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA – 2017). Mestra em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade da Georgia (UGA – 2021), EUA. Atua na área de infraestrutura hídrica nos Estados da Flórida e Geórgia, nos Estados Unidos.

gleicycavalcante12@gmail.com

 

 

Foto: arquivo do autor

Pedro Daniel da Cunha Kemerich

Engenheiro Ambiental (2005) e de Segurança do Trabalho (2009) pela UNIFRA, mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria ( UFSM – 2008), doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC – 2013), tecnólogo em Geoprocessamento (UFSM – 2023). Atua como professor associado no Departamento de Geociências da UFSM.

pedro.kemerich@ufsm.br

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