Por Alessandro Nascimento
Para a Dona Maria que vive em Porto Alegre conversar com o seu irmão que mora em Natal, incontáveis quilômetros de fio precisaram ser instalados desde 1877, quando, por ordem de Dom Pedro II, a primeira linha telefônica foi ativada no Brasil. À época, a comunicação se estendia apenas do Palácio da Quinta da Boa Vista, residência oficial do imperador na antiga capital do país, o Rio de Janeiro, às casas ministeriais.

Resolução Interna 428/2025 da Anatel também visa resguardar o setor contra incêndios – Foto: ShutterStock
Passados quase 150 anos, diversas revoluções aconteceram. Se até em meados da década de 1980 ter um telefone em casa era privilégio de poucos, hoje em dia a telecomunicação é um direito essencial e está enraizada em produtos, serviços e no dia a dia das pessoas de tal modo que a vida no século 21 seria impossível sem ela. Isso porque se trata de um ramo que sustenta a transformação digital em curso, além de ser base da competitividade da economia e da integração social. Justamente por conta disso que incêndios em instalações do setor podem gerar verdadeiros colapsos.
De janeiro a setembro de 2024, último período divulgado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), foram contabilizadas 281 mil interrupções de serviços de operadoras e provedores de banda larga por conta de ocorrências com fogo em todo o país. Assim, centenas de milhares de processos dos mais diversos tiveram de ser paralisados momentaneamente, o que pode englobar desde o pagamento de uma coxinha e um refrigerante por Pix à colocação de ponte de safena no coração de um paciente que está sendo operado por cirurgiões auxiliados por ferramentas de inteligência artificial.
Essa criticidade é ainda maior ao se considerar a implementação da quinta geração de redes móveis, projetada para conectar de pessoas a máquinas agrícolas de forma ultrarrápida. O engenheiro elétrico e diretor estadual (Maranhão) da Associação Brasileira de Telecomunicações (ABTelecom), Rogério Moreira Lima Silva, ressalta que o 5G demanda uma rede significativamente mais densa de antenas, as chamadas small cells (pequenas células), distribuídas próximas ao usuário para assegurar baixíssima latência e altas taxas de transmissão.

Rogério Moreira Lima Silva, engenheiro elétrico e diretor estadual da ABTelecom – Foto: arquivo pessoal
“Essa arquitetura só se viabiliza mediante a expansão maciça da infraestrutura óptica, responsável por interligar os pontos de acesso ao backbone [espinha dorsal] da internet e garantir estabilidade e redundância nos enlaces de comunicação”, contextualiza.
O problema é que esse novo arranjo tecnológico diretamente associado à sinergia entre o 5G e a inteligência artificial implica uma elevação substancial de energia. “A maior densidade de equipamentos exige o dimensionamento de subestações de média e alta potência, sistemas de distribuição elétrica em baixa tensão com elevado nível de confiabilidade e a adoção de sistemas de climatização de precisão para manter o resfriamento contínuo dos ativos de telecomunicações e de processamento”, detalha o especialista.
Nesse contexto, ele chama a atenção para a importância do engenheiro eletricista habilitado na arquitetura de um sistema seguro. “É atribuição de esse profissional projetar, especificar e implementar sistemas elétricos de baixa, média e alta tensão que sejam capazes de garantir o fornecimento de energia estável e resiliente à infraestrutura crítica de telecomunicações e aos data centers”, explica Rogério Moreira.
De acordo com ele, esses sistemas devem contemplar, obrigatoriamente, dispositivos de proteção contra contatos diretos e indiretos, além de proteções contra sobretensões transitórias, sobrecorrentes e curtos-circuitos, sempre em conformidade com as diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e regulamentos internacionais aplicáveis.
“O correto estudo, planejamento, projeto e execução desses sistemas não apenas mitiga riscos de incêndio e de acidentes de trabalho, como também assegura a disponibilidade operacional contínua dos serviços de telecomunicações e de data centers, que se tornam ainda mais críticos diante da convergência entre o 5G e a inteligência artificial”, reforça Moreira.
Medidas de segurança
Na tentativa de resguardar o setor contra acidentes, como os oriundos de incêndios, a Anatel publicou em abril deste ano a Resolução Interna 428/2025, que obriga a comprovação periódica de medidas de segurança pelas prestadoras de telecomunicações de interesse coletivo. Assim, a cada dois anos, a autorizada deve apresentar à Agência o Programa de Gerenciamento de Risco (PGR), o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), a comprovação de fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva (EPIs e EPCs) aos trabalhadores, bem como a realização de treinamentos de acordo com as normas regulamentadoras e, ainda, um atestado de capacidade técnica que comprove condições adequadas de trabalho e profissionais competentes para a execução dos serviços.
“De forma anual, a empresa também deve comprovar regularidade com suas obrigações trabalhistas e fiscais mediante registro no conselho de fiscalização profissional. Essas exigências fortalecem a prevenção de acidentes, especialmente os de origem elétrica, que são a principal causa de incêndios no setor, e reforçam a responsabilidade técnica na proteção dos trabalhadores de telecomunicações”, considera o diretor da ABTelecom.
Neste sentido, o 1º Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) Henrique Barcelos, concorda que ao exigir a adoção de equipamentos intrinsecamente mais seguros e instalações elétricas rigorosamente conformes no setor de telecomunicações – além de focar na preparação humana – a Resolução da Anatel tende a ser exitosa na redução de risco de incêndios e na garantia da segurança dos trabalhadores do ramo.

Henrique Barcelos, 1º Tenente do Corpo de Bombeiros Militar
de Minas Gerais (CBMMG) – Foto: arquivo pessoal
“A manutenção periódica e a realização de testes nos sistemas preventivos também se tornam determinantes para proteger vidas e preservar o patrimônio. Portanto, ao elevar o padrão de qualidade e segurança das instalações e equipamentos de telecomunicações, essa resolução da Anatel contribui para a prevenção de incêndios, aumenta a confiabilidade operacional e reduz a necessidade de acionamento dos sistemas de proteção”, constata.
Nos registros da corporação mineira, são computados 102 ocorrências de incêndios em centrais de energia e de comunicação entre janeiro de 2022 e agosto de 2025. Já ao se expandir para incidentes em redes elétricas, postes e curtos-circuitos, locais que contam com infraestrutura de telecomunicação, há um salto de 37 vezes, chegando a 3.811 casos no mesmo período.
Nesta esfera, o problema já é bem conhecido até mesmo por pessoas leigas que olham para os postes das ruas brasileiras e veem emaranhados cada vez mais volumosos de fios: redes de telecomunicações instaladas de forma irregular provocam incêndios, comprometendo, também, o fornecimento de energia elétrica. Para se ter ideia, somente em Pernambuco, foram registradas no ano passado aproximadamente 1,1 mil ocorrências desse tipo, uma média de três por dia, conforme estatística divulgada pela Neoenergia Pernambuco.
Segundo a distribuidora, tais focos de incêndio têm relação direta com o acúmulo de fios e caixas acopladoras instalados por empresas de internet sem o devido critério técnico. Em nota, o gerente operacional da empresa, Fábio de Barros, explicou que quando esses cabos entram em curto-circuito, o fogo se espalha rapidamente, provocando o rompimento de fios, o que causa interrupção no fornecimento, riscos de choques elétricos e danos à vida das pessoas.
Diante desta realidade, a distribuidora se viu obrigada a remover mais de 100 toneladas de cabos e caixas irregulares em 2024, sendo que, nos últimos quatro anos, o total já ultrapassa 310 toneladas. “A empresa atua com base nas resoluções conjuntas da Aneel e Anatel, que determinam que qualquer ocupação dos postes deve seguir normas técnicas rigorosas”, reforça a companhia.
Normas do setor
A norma ABNT NBR 15214:2024 define requisitos e condições técnicas para o compartilhamento de infraestrutura de redes de distribuição de energia elétrica com redes de telecomunicações, seja em redes aéreas ou subterrâneas.
Desta forma, busca garantir que instalações de telecomunicações em postes elétricos atendam a critérios mínimos de segurança, impedindo riscos como curtos ou quedas, além de estabelecer regras sobre quem pode instalar o que, em qual espaço, e com qual identificação, evitando ocupações desordenadas. Além disso, a norma permite que múltiplos serviços compartilhem a mesma infraestrutura, algo que tende a reduzir custos, agilizar expansões e limitar impactos ambientais urbanos, desde que haja fiscalização para o seu cumprimento.
Em consonância com o regramento da ABNT, a Resolução Conjunta nº 4, de 16 de dezembro de 2014, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Anatel estabelece que no compartilhamento de postes, as prestadoras de serviços de telecomunicações devem seguir o plano de ocupação de infraestrutura da distribuidora de energia elétrica e as normas técnicas aplicáveis, em especial:
I – a faixa de ocupação;
II – o diâmetro do conjunto de cabos e cordoalha de um mesmo Ponto de Fixação;
III – as distâncias mínimas de segurança dos cabos e equipamentos da rede de telecomunicações em relação ao solo e aos condutores da rede de energia elétrica; e
IV – a disposição da reserva técnica de fios ou cabos nos Pontos de Fixação.
Dentro da observância dessas regras, o major Fernando Tratch, do Corpo de Bombeiros Militar do Paraná (CBMPR), destaca que a Câmara Técnica de Combate a Incêndio, da qual é presidente, recomenda que as empresas de telecomunicações do estado e também as que possuem interface com esse setor adotem cinco principais práticas ancoradas nos seguintes conceitos:
Projeto e instalação: contratar profissionais habilitados, observando rigorosamente as normas técnicas aplicáveis;
Materiais certificados: utilizar apenas equipamentos e componentes com certificação de organismos reconhecidos;
Manutenção preventiva: realizar inspeções periódicas e registrar manutenções em sistemas elétricos e de prevenção;
Proteção ativa: instalar sistemas de detecção, alarme e combate a incêndio conforme exigências normativas;
Treinamento interno: capacitar equipes para identificar anomalias e atuar de forma segura em situações de emergência inicial.
“As instalações utilizadas para transmissão e suporte de redes de telecomunicações costumam apresentar riscos característicos, sendo que o principal deles é o curto-circuito decorrente de isolamento de cabos danificados por desgaste, abrasão, umidade ou ação de roedores, bem como de conexões mal-executadas, oxidadas ou frouxas, capazes de gerar aquecimento e ignição”, ressalta.

Major Fernando Tratch, do Corpo de Bombeiros Militar
do Paraná (CBMPR) – Foto: arquivo pessoal
Contudo, Tratch enfatiza que a sobrecarga e sobreaquecimento de cabos provocados por dimensionamento inadequado de condutores ou aumento de carga elétrica sem a devida adequação da fiação também é um grande causador de incêndios.
“Ao mesmo tempo em que falhas em fontes de alimentação e retificadores originam calor excessivo que pode inflamar componentes e revestimentos próximos. Outro impacto importante são as descargas atmosféricas, ou seja, os raios que afetam diretamente torres e antenas, causando indução de surtos em cabos, com potencial para gerar arco elétrico e incêndio”, informa.
Desafios das baterias
As baterias de íon-lítio têm se consolidado como uma das principais tecnologias de armazenamento de energia no setor de telecomunicações. Com isso, substituem gradualmente as de chumbo-ácido em diversos pontos da infraestrutura, já que possuem densidade energética e vida útil muito superior, além de menor peso e mais capacidade de operação em ambientes críticos.
Essas baterias são amplamente utilizadas em sistemas de energia ininterrupta (UPS) para manter equipamentos ativos durante quedas de energia. Outra vantagem é o uso em torres de celular, estruturas que precisam de alimentação contínua, especialmente em áreas remotas ou sem estrutura elétrica confiável. Isso acontece porque baterias de íon-lítio são usadas como reserva de energia, evitando a interrupção do sinal em caso de falha da rede principal.
Segundo Rogério Moreira, da ABTelecom, o uso de uma tecnologia de bateria mais avançada está diretamente ligada à necessidade de garantir disponibilidade, confiabilidade e eficiência energética em ambientes cada vez mais exigentes, especialmente com a chegada do 5G.
Porém, esses benefícios também cobram o seu preço: baterias de íon-lítio são sujeitas a reações químicas internas e autossustentáveis, ou seja, podem entrar em combustão por dentro, mesmo sem chama externa. Em data centers, torres de telecom, UPS e veículos elétricos, um incêndio em uma célula pode se propagar rapidamente para o resto do sistema, gerando um verdadeiro efeito dominó.
O comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM), coronel Orleilso Ximenes Muniz, ressalta que a fuga térmica nesse tipo de bateria acontece quando a temperatura interna da célula sobe descontroladamente, gerando gases inflamáveis e calor suficiente para causar incêndios e até explosões, mesmo sem contato com oxigênio externo.

Coronel Orleilso Ximenes Muniz comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Amazonas – Foto: arquivo pessoal
Segundo ele, quando esse tipo de equipamento superaquece, libera gases como monóxido de carbono, fluoreto de hidrogênio e gases orgânicos. O comandante detalha que esses gases são altamente inflamáveis, tóxicos e aumentam o risco de propagação do fogo, além de representar perigo à saúde dos combatentes.
“Essas baterias oferecem mais resistência no trabalho de combate a incêndio, seja em carros elétricos ou em equipamentos de radiocomunicação. Por isso que, pensando especificamente nos veículos eletrificados, o CBMAM publicou recentemente a Norma Técnica número 5 que trata da segurança em estações de carregamento. Nossa preocupação é garantir que não haja instalações de forma deliberada e inseguras de estações de carregamento em ambientes confinados, tais como garagens subterrâneas, visto que em casos de acidentes, o incêndio não é de fácil controle e se espalha para outros veículos ou demais áreas da edificação”, destaca.
Já o 1º Tenente do CBMMG, Henrique Barcelos, conta que a corporação ainda não possui normas ou protocolos específicos voltados exclusivamente para as baterias de íon-lítio. “No entanto, esse tipo de material é reconhecido como um equipamento de risco, com características próprias que exigem atenção especial. Em situações de emergência, sua abordagem segue os procedimentos previstos nos protocolos gerais de combate a incêndios, garantindo a aplicação das melhores práticas de segurança”, contextualiza.
O major Fernando Tratch, do CBMPR, por sua vez, ressalta que a instituição participa ativamente de comitês técnicos da ABNT e do Conselho Nacional dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil (Ligabom) para contribuir com a atualização de normas e procedimentos operacionais voltados a ocorrências que envolvam as baterias de íon-lítio.