Por Saulo Cerqueira de Aguiar Soares
Médico do Trabalho, Advogado, Teólogo, Professor Adjunto da UFPI, Titular da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social e Pós-Doutor. Coordenador do livro Medicina do Trabalho e Segurança – Ed. CRV
A Resolução CFM nº 2.430/2025, publicada pelo Conselho Federal de Medicina, marca um avanço regulatório na medicina legal e perícia médica no país. O texto sistematiza normas éticas, técnicas e estruturais para a atuação dos médicos peritos, ao mesmo tempo em que introduz, com critério e rigor, o uso da telemedicina na avaliação pericial. Trata-se de uma resposta moderna às necessidades sociais e tecnológicas que impactam diretamente a segurança jurídica e a qualidade das decisões institucionais.
A norma estabelece com clareza que a perícia médica é uma atividade privativa do médico, conforme determina a Lei nº 12.842/2013. O ato médico pericial é técnico e elucidativo, voltado à produção de prova especializada para subsidiar decisões nos âmbitos judicial, previdenciário, trabalhista e administrativo. O médico perito, nesse cenário, deve atuar com objetividade, autonomia e imparcialidade, livre de interferências externas que comprometam a integridade da prova.
Dentre os conceitos fundamentais consolidados pela resolução, destaca-se o “nexo causal”. Ele é definido como a relação técnica entre um evento antecedente e um dano subsequente à saúde, sendo essencial para reconhecer responsabilidade legal e conceder benefícios indenizatórios. O laudo médico pericial deve ser elaborado com rigor científico, lógica clínica e absoluta imparcialidade, garantindo clareza e rastreabilidade dos achados e conclusões.
Uma das garantias reforçadas pela resolução é a prerrogativa do médico perito quanto à realização da análise ambiental. Cabe exclusivamente a ele decidir se o exame será feito in loco, conforme a necessidade técnica do caso. Essa liberdade metodológica fortalece a independência do profissional no planejamento da prova e assegura que o processo pericial siga critérios científicos e não expectativas externas ou interesses particulares.
Outro ponto central diz respeito à presença de terceiros durante o exame pericial. A norma estabelece que profissionais não médicos, parentes, amigos ou acompanhantes do periciado/periciando só podem participar mediante autorização prévia, formal e escrita do médico perito responsável. Com isso, o direito da parte se limita a ser assistida por um assistente técnico médico. Não há prerrogativa legal para que advogados participem do exame no consultório médico — a decisão é exclusivamente do perito, que deve resguardar o sigilo, a ética e a validade técnica do procedimento.
Importante destacar que o médico perito não pode ser constrangido ou pressionado a permitir a presença de advogados no ambiente clínico. A autonomia profissional é protegida pela resolução e pela legislação vigente, e qualquer tentativa de interferência externa pode comprometer a neutralidade e a segurança do ato médico pericial. O perito tem o direito de recusar essa presença, desde que fundamentado tecnicamente, e deve ser respeitado em sua decisão.
A resolução também organiza os diferentes tipos de perícia — judicial, administrativa, previdenciária, médico-legal e forense — e define os papéis e responsabilidades dos peritos médicos oficiais, nomeados e assistentes técnicos. Além disso, reafirma os direitos e deveres desses profissionais, assegurando autonomia técnica, ética e funcional em todas as etapas, inclusive no uso de recursos tecnológicos para avaliações remotas.
Sobre a telemedicina, a norma delimita com precisão os casos em que pode ser aplicada na perícia médica. Está autorizada para análises documentais e situações específicas já previamente atestadas, desde que não envolvam avaliação de danos pessoais, aptidão laborativa ou diagnóstico presencial. Em exames que demandam observação direta do paciente, a modalidade presencial continua obrigatória. Isso evita que limitações tecnológicas comprometam a profundidade técnica da avaliação.
A realização de perícias remotas exige uma estrutura específica, como salas equipadas com câmeras, conectividade robusta, isolamento acústico e plataformas certificadas para segurança digital. O médico perito deve ser capacitado sobre os recursos utilizados, e o consentimento informado do periciado/periciando precisa ser formalizado.
Além disso, a norma revoga disposições anteriores, como as Resoluções CFM nº 1.497/1998 e nº 2.325/2022, atualizando parâmetros éticos e operacionais. Seu alinhamento com leis recentes, como a Lei nº 14.724/2023, reforça o papel do CFM como agente regulador e protetor da atuação médica legítima frente aos desafios contemporâneos, entre eles a escassez de peritos em algumas regiões do país.
Para os profissionais que atuam na saúde e segurança do trabalho, a Resolução CFM nº 2.430/2025 não é apenas um instrumento regulatório — ela é uma diretriz ética, científica e judicial que valoriza a atuação médica especializada. Seu impacto fortalece garante segurança técnica à prova pericial e contribui diretamente para a efetividade e justiça no ambiente laboral brasileiro.