Por Saulo Cerqueira de Aguiar Soares
Médico do Trabalho, Advogado, Teólogo, Professor Adjunto da UFPI, Titular da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social e Pós-Doutor. Coordenador do livro Medicina do Trabalho e Segurança – Ed. CRV
Riscos psicossociais no trabalho: interface Europa-Brasil
O ambiente de trabalho, muitas vezes associado à produtividade e ao crescimento, pode também ser palco de fatores que ameaçam silenciosamente o bem-estar dos colaboradores. Os riscos psicossociais, menos visíveis do que acidentes físicos, têm impacto profundo na saúde mental, física e até na eficiência organizacional.
Esses riscos incluem carga de trabalho excessiva, falta de suporte por parte da liderança ou colegas, assédio moral ou sexual e insegurança no emprego. Todos compartilham a característica de gerar estresse crônico e prejudicar a qualidade de vida dos trabalhadores. Para as empresas, a negligência a esses fatores resulta em queda de produtividade, aumento de erros e alta rotatividade. No plano individual, trabalhadores sob pressão psicossocial frequentemente apresentam sintomas como ansiedade, depressão e até problemas cardiovasculares.
A abordagem Europeia: liderança em prevenção
A Europa tem se destacado na prevenção de riscos psicossociais devido à sua abordagem estruturada, integrada e respaldada por políticas públicas robustas. Um marco importante é a Diretiva-Quadro 89/391/EEC, adotada em 12 de junho de 1989, que obriga os empregadores a garantirem a segurança e saúde dos trabalhadores, incluindo a gestão de riscos psicossociais.
Além disso, ferramentas como o COPSOQ (Copenhagen Psychosocial Questionnaire) são amplamente utilizadas para avaliar e gerenciar fatores de risco, enquanto a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) lidera iniciativas práticas e campanhas de conscientização. A saúde psicossocial é considerada um pilar estratégico para bem-estar e produtividade, com foco em ambientes inclusivos e treinamento de lideranças para lidar com desafios emocionais.
Os países europeus, após a Segunda Guerra Mundial, priorizaram educação, saúde e infraestrutura como pilares do desenvolvimento. Sistemas de bem-estar social, políticas públicas voltadas ao crescimento humano e incentivos à inovação criaram bases para uma força de trabalho qualificada e ambientes organizacionais sustentáveis. No Brasil, obstáculos como a desigualdade social, a baixa qualidade da educação e a falta de políticas de longo prazo ainda retardam o progresso.
Na Europa, os trabalhadores são vistos como ativos valiosos. Leis trabalhistas equilibram produtividade com bem-estar, promovendo condições dignas, salários justos e jornadas flexíveis. No Brasil, há uma necessidade urgente de iniciativas similares, que valorizem a força de trabalho e reconheçam sua importância no desenvolvimento nacional.
A realidade brasileira: desafios e oportunidades
No Brasil, embora haja avanços em saúde ocupacional, a prevenção de riscos psicossociais ainda enfrenta barreiras significativas. A Fundacentro, instituição responsável pela pesquisa e promoção de saúde e segurança no trabalho, possui imenso potencial, mas carece de apoio estatal consistente. Isso limita sua capacidade de inovar e implementar políticas abrangentes, especialmente em comparação com o modelo europeu, onde a EU-OSHA recebe financiamento robusto e atua como centro de excelência.
Além disso, um desafio cultural e estrutural presente no ambiente de trabalho brasileiro é a prática de “puxar o tapete” — quando colegas sabotam uns aos outros para obter vantagens pessoais. Esse comportamento, típico de países com instabilidade socioeconômica, cria um clima de desconfiança e dificulta o progresso coletivo. Ao invés de fomentar a colaboração e o crescimento conjunto, essa mentalidade reforça ciclos de insegurança e estagnação, impedindo a construção de um ambiente profissional mais produtivo e inovador.
A superação dessas barreiras exige um esforço conjunto entre governo, empresas e trabalhadores, com políticas sólidas de proteção à saúde mental, incentivo à cooperação e investimentos em um ambiente organizacional mais saudável. Somente assim o Brasil poderá aproveitar plenamente suas oportunidades e fortalecer sua competitividade no cenário global.
Caminhos para o Progresso
Os riscos psicossociais no trabalho representam tanto um desafio quanto uma oportunidade para transformação. Inspirar-se na experiência europeia, que integra saúde psicossocial às estratégias de desenvolvimento, pode colocar o Brasil no caminho para um futuro mais justo e próspero.
Embora a Portaria MTE nº 765, de 15 de maio de 2025, tenha prorrogado para 25 de maio de 2026 a vigência da nova redação do capítulo 1.5 – Gerenciamento de Riscos Ocupacionais da NR-1, esse adiamento não deve ser visto como um obstáculo ao progresso. Pelo contrário, ele oferece uma oportunidade para que empresas e instituições se preparem melhor para a implementação das novas diretrizes, garantindo que a gestão dos Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho (FRPRT) seja feita de maneira eficaz e estruturado.
O avanço nesse tema não pode ser interrompido. É essencial que os setores envolvidos utilizem esse período para revisar processos, estruturar programas de gerenciamento de riscos e alinhar equipes multidisciplinares, como SESMT, jurídico e RH, para garantir uma transição eficiente. Somente com um compromisso contínuo e estratégico será possível transformar o ambiente de trabalho brasileiro em um espaço mais saudável, produtivo e competitivo.